O corpo abjeto

O corpo abjeto
Marcia Tiburi (Foto: Simone Marinho/ Divulgação)
  A história do corpo começa com os motivos de sua abjeção e segue com a assepsia gradativa em que procedimentos tecnológicos e plásticos garantem uma espécie de superação dele. Do corpo abjeto ao corpo plástico, passando pelo corpo máquina, da experiência da finitude à sua prova maior que é a morte, tudo passa pelo corpo, tudo se dá no corpo. O fato inquietante da putrefação penaliza o corpo, resto cultural não simbolizado com o qual temos que nos resolver na vida. Simbolizamos tudo, mas não o corpo, que escapa em última instância aos esforços de compreensão. E, no entanto, tudo vem do corpo. Fonte, portanto, das mais complexas inquietações, prova da morte, fato da vida, o corpo é alguma coisa que seria melhor não possuir. Em termos diretos, por seu peso, melhor seria não ser, não existir. Diante do corpo abjeto em si mesmo, as tecnologias tornam­‑se a salvação teológica. É o novo ser da cultura descorporificada e desencarnada, mas não mais em nome de uma alma que pudesse nos fazer transcender, e sim em nome do plástico, nossa mais nova metafísica que, nos livrando da carne, torna­‑se a nova matéria de que somos feitos. As tecnologias substituem o corpo justamente onde ele deixa de ser útil e torna­‑se um problema, um resto. Se hoje a condição de ciborgue é cada vez mais comum quando somos de algum modo implantados, transplantados, quando nos tornamos usuários de próteses corporais as mais diversas, ou à medida que somos siliconizados, plastificados – no limite, contra a morte –, nada impede que, no futuro

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