Lula está solto
Toda vez que uma rua está vermelha, Lula está solto (Foto Ricardo Stuckert)
Desde o dia 7 de abril, quando o levaram do Sindicato, eu me perguntava como é que prenderiam alguém do tamanho do Lula. Alguém que começou nas lutas sindicais há 40 anos, construiu o maior partido brasileiro e, desde então, polarizava com as mais tradicionais forças políticas brasileiras, até o momento em que passou a vencê-las com facilidade, uma eleição após a outra. Alguém que, neste 2018, chegava com a imagem ainda mais forte, adorado pelo seu povo e visto como esperança de retomar os rumos do país até mesmo pelos que o detestam. Alguém assim, com tanta força, representando tanta gente, não cabe numa cela.
Continuei pensando diariamente nisso, porque doía saber que Lula, apesar de não caber na cela, estava dentro dela. E doía ainda mais nos dias em que as pesquisas eleitorais diziam que Lula, mesmo preso, era o candidato preferido da maioria dos brasileiros. Lula e o desejo da maioria dos brasileiros não podem caber numa cela! Quando lia sobre as visitas, as cartas, os “bom dia, Presidente”, os “boa noite, Presidente”, doía pensar que alguns homens tinham poder para aprisionar Lula e tudo o que ele significa para a maioria dos brasileiros e tanta gente no mundo. Sim, Lula é esperança também para quem não é daqui.
Alguns dias, quando o silêncio pairava sobre aquela cela em Curitiba, quando não havia um recurso a ser julgado, quando não havia uma recusa do juiz da execução para alguma visita, quando os advogados de Lula sumiam do noticiário, doía ainda mais. Era a sensação de que Lula podia ser esquecido lá que doía. Era a sensação de que, de alguma maneira, nosso silêncio aqui fora deixava o poder dos homenzinhos que prenderam Lula tornar-se um poderzão. Doía demais pensar em Lula na cela. Vendo um filme, nesta semana, em que alguém foi preso, minha cabeça só pensava em Lula na cela. A cela que aparecia na tela doía como se eu estivesse vendo Lula em sua cela.
Mas no último dia 8 de julho, tudo mudou. Achei que seria um domingo como qualquer outro, um domingo de julho, véspera de feriado em São Paulo, em que até mesmo os homenzinhos que prenderam Lula curtiam suas férias. Até que o dia começa a pegar fogo. Os amigos em polvorosa perguntando “como assim?”, “é verdade?”, “o que aconteceu?”. Os olhos colados no noticiário, nos “jornalistas” tão assombrados quanto cada um de nós, nos “comentaristas” tentando afirmar que Lula não será solto, que não pode, que não.
Mas o dia passa entre despachos judiciais, alguns vindos de notebooks na Europa, e o grito do povo vai ficando mais forte: Lula será solto. As ruas do país voltam a ficar vermelhas, as timelines voltam a ficar vermelhas, as fotos de Lula rindo desde os anos 1970 voltam a aparecer. E tudo que doía, de repente, começa a arder por outras razões, como se alguma alegria se instalasse ali.
Mesmo que a gente desconfiasse que Lula não seria solto, porque aqui até o carcereiro e o juiz de férias dizem ter mais poder do que o desembargador quando se trata de manter Lula preso. Mesmo que o dia voasse e Lula estivesse na cela. Não era a alegria do Lula solto, mas a alegria de ver a luta de Lula viva, colocando fogo nos tribunais, nas redações, nas praças, nas férias de seus algozes, na cabeça dos inimigos, no debate eleitoral, no país! Quando a luta de Lula está viva, Lula está solto. Toda vez que uma rua está vermelha, Lula está solto. Lembremos de 8 de julho como o dia em que nós fomos soltos.
TARSO DE MELO é poeta e advogado, doutor em Filosofia do Direito pela USP. É um dos coordenadores do ciclo de leituras de poesia Vozes Versos (Tapera Taperá) e do selo Edições Lado Esquerdo.