Kollwitzstrasse 52, nós e o Outro

Kollwitzstrasse 52, nós e o Outro

Fui assistir à peça Kollwitzstrasse 52 e me deu vontade de escrever sobre. Eis o texto.

Kollwitzstrasse 52 é uma obra de arte fora do comum. Não digo isso para compará-la a obras comuns. Ela não se entregaria a uma analogia, nem a mais preparada das metáforas. Em Kollwitzstrasse 52 vivemos uma experiência de linguagem mesmo quando, diante dela, somos transformados em puro e mero olho que espia a vida dos outros. Outros que em nenhum momentos somos nós.

Kollwitzstrasse 52 é uma complexa experiência de linguagem: peça de teatro e performance, cinema e vídeo, literatura em fluxos, fios e fiapos que atam e desatam tempos e expectativas. Seu melhor é não promover identificação. Ninguém que venha a gostar dela, a ser por ela afetado emocional ou intelectualmente, provará os prazeres do “mesmo”. Ao não falar de nós, mas de outros, totalmente outros, ela pode provocar medo e irritação. Ou curiosidade, este afeto banalizado na cultura do espetáculo e que Kollwitzstrasse 52 vem fazer reviver.

Kollwitzstrasse 52 consegue isso ao esquivar-se de nossos registros estéticos e intelectuais prévios. Mesmo assim, conta histórias, mas não uma única história que possamos compreender por um roteiro linear (embora tenha começo, meio e fim. E nesta ordem). É que são histórias para não dormir. Por isso é que ela provoca sonhos.

Kollwitzstrasse 52 é como um sonho que não admite metáfora. Sonho que nos põe no campo fora de nós mesmos, na total experiência do grande Outro que é a vida, a cultura, o que escapa ao nosso desejo de tudo identificar. Aquele Outro que nos nega, o local da diferença, o tempo do negativo, do ambiente onde perdemo-nos de nós enquanto sobra apenas um sujeito em trapos que pergunta, dominado por seu não-saber, atônito, pedindo um copo de água, um copo de vinho, que alguém lhe diga “pode acordar agora”.

Assisti-la é participar como espectador de um filme em que realidade e ficção se confundem como nos quadros barrocos, nos jogos de espelhos. E nós, vagarosas lesmas, esteticamente maltratadas pela excitação da sociedade espetacular, pelos produtos da indústria cultural, parvos para a arte, só podemos olhar assustados antes de acordar dentro do sonho.

Então, acordados dentro do sonho, a obra de descortina. Somos agora os felizes participantes de uma experiência em que fomos devolvidos à nós mesmos. O Outro estava lá e, fugindo de nós pela porta por onde entramos, oferta-nos a nossa única chance.

Direção de Esmir Filho – Museu da Imagem e do Som, de quinta a domingo até 18 de novembro, às 21h e domingo às 20h. Com Ismael Caneppelle e vários atores incríveis.

http://www.mis-sp.org.br/icox/icox.php?mdl=mis&op=programacao_interna&id_event=1113

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