Justiça reconhece direito a pensão à viúva de Vladimir Herzog
Em outubro deste ano faz 50 anos do assassinato de Vladimir Herzog nas dependências do Doi-Codi em São Paulo. O jornalista morreu sob tortura, ao contrário do que diz o laudo forjado de suicídio. Os fatos foram estabelecidos pelo relatório da Comissão Nacional da Verdade.
No último 31 de janeiro, a 2ª Vara Federal Cível do Distrito Federal concedeu uma pensão vitalícia à viúva Clarice Herzog, 83, que sempre batalhou pela responsabilização criminal dos assassinos do marido. Foi uma vitória para a família Herzog.
Ivo Herzog, um dos filhos do casal, conta que a família soube da sentença após “dois ou três dias” da decisão. “Ficamos muito emocionados e contentes. Historicamente, desde nossa primeira vitória, em 1978, minha mãe nunca quis uma reparação financeira, pois achava mais importante investigar os responsáveis pelo crime. Só que alguns anos atrás, ela ficou com Alzheimer, e o tratamento é muito dispendioso. Então resolvemos seguir por esse caminho através da Comissão de Anistia”, diz. (Ivo se refere ao processo em 1978 que culminou com a responsabilização objetiva do Estado pela morte de Vladimir Herzog. Os advogados eram Samuel Mac Dowell, Marco Antônio Rodrigues Barbosa e Sérgio Bermudes.)
Para Rogério Sotilli, diretor do Instituto Vladimir Herzog, a decisão tem uma simbologia política muito grande. “Sinaliza o reconhecimento de que o Estado é responsável pela morte do Vlado. Isso é muito mais importante do que a reparação financeira, que é justa. A sentença está relacionada ao passado, mas tem uma relação forte com a violência do Estado de hoje. A impunidade de todos aqueles que mataram e torturaram durante a ditadura sinaliza aos agentes de Estado hoje que tudo pode, que ninguém vai ser punido. O desrespeito ao Estado democrático de direito, os assassinatos nas favelas do Brasil, a tentativa de golpe no dia 8 de janeiro de 2023 têm uma conexão muito estreita com a impunidade da violência no passado. É a primeira vez, entendo, que está começando a se enfrentar essa situação. É uma luta antiga dos familiares e organizações de direitos humanos, da Clarice Herzog, da Eunice Paiva.”
Para Ivo Herzog, a ascensão de Jair Bolsonaro provocou um processo de reflexão na sociedade. “A história final é uma disputa de narrativas. A sociedade começa a entender melhor o que é essa luta”, afirma. Ele lembra que a Comissão da Anistia tinha sido desmantelada no governo Bolsonaro. Mas, ainda que a vitória relacionada à pensão tenha sido importante, considera que a restauração da comissão no governo Lula foi precária. “Infelizmente, a perspectiva de um julgamento para dar andamento aos processos é de longa espera, porque a comissão não tem verba.”
Sotilli ressalta que ainda falta o cumprimento da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 2018, que condenou o Estado brasileiro pela morte sob tortura de Vladimir Herzog, e das recomendações da Comissão Nacional da Verdade. “O cumprimento da sentença é responsabilidade do Judiciário, do Legislativo e do Executivo. O Estado brasileiro tem de fazer um pedido de desculpas formal pela morte do Vlado”, diz Sotilli.
Em nota, o Instituto Vladimir Herzog diz que “seguirá trabalhando ao lado da família Herzog pelo cumprimento dos demais pontos resolutivos da sentença da Corte Interamericana, que não integram o escopo de ação no TRF1, como a responsabilização dos agentes públicos que praticaram crimes contra a humanidade durante a ditadura, e o cumprimento das recomendações da Comissão Nacional da Verdade, bem como pela garantia dos direitos à memória, à verdade, à reparação e à justiça para todos os afetados pela ditadura militar, na busca de uma democracia que respeite os direitos humanos”.
Daniel de mesquita Benevides é jornalista e tradutor. Em pouco mais de 40 anos de carreira, passou por alguns dos maiores veículos de imprensa, incluindo TV. Tradutor de Leonard Cohen, é autor de Gelo & gim (Quelônio, 2023), seleção das melhores crônicas que escreve para a Folha de S.Paulo.