‘Índios habitam o Brasil desde antes do Brasil’, diz autor guarani sobre tese do marco temporal

‘Índios habitam o Brasil desde antes do Brasil’, diz autor guarani sobre tese do marco temporal
O líder indígena Timóteo Verá Tupã Popygua (Foto: Edu Simões)

 

O Supremo Tribunal Federal julga nesta quarta (16) seis processos que podem ter efeitos na demarcação de terras indígenas e quilombolas. Duas ações são movidas pelo Estado do Mato Grosso, que pleiteia indenização por terras que teriam sido erroneamente incorporadas ao Parque Nacional do Xingu, e reivindica outro território atualmente ocupado por índios nambiquaras e parecis.

Os julgamentos abrem brecha para que se utilize a tese do marco temporal, um argumento do ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto, segundo o qual indígenas só poderiam demandar terras por eles ocupadas a partir de 1988, data da promulgação da Constituição.

O presidente Michel Temer, bem como a bancada ruralista e a Advocacia Geral da União (AGU), compartilham do mesmo entendimento quando o assunto é demarcação de terras dos povos originários. Em julho, inclusive, Temer assinou um parecer determinando que toda a administração federal adotasse essa orientação.

Timóteo Verá Tupã Popygua, cacique da aldeia indígena Takuari, localizada no município de Eldorado, no Vale do Ribeira (SP), rechaça a tese afirmando que “os índios habitam o Brasil desde antes do Brasil”.

“Antes da chegada dos juruá [homem branco], 100% das terras eram indígenas, e o que foi chamado de Brasil pelos não-indígenas nos tomou tudo isso. Não queremos terras para explorar. Só queremos manter nossa cultura, nossa forma de vida. O governo não pode atuar contra os povos indígenas. O Brasil deve se desenvolver, mas não às nossas custas”, critica.

Popygua é autor de Yvyrupa – A terra uma só (Hedra), no qual narra a origem do mundo do ponto de vista dos Guarani Mbya, subgrupo guarani que ocupa um território amplo na América do Sul meridional, incluindo partes do Brasil, da Argentina, do Paraguai e do Uruguai. Com o livro, o líder indígena quer justamente apontar os equívocos da discussão sobre a posse de territórios no Brasil.

“Nossas terras não são reconhecidas, os processos demoram, e é frequente que sejam decididos em prol dos ruralistas. Esse direito está no papel, mas é difícil que essa lei seja cumprida pelo Estado brasileiro. Há várias violações de direitos pelos ruralistas que vêm trazendo esse modelo de desenvolvimento chamado agronegócio, querendo atacar os direitos originários”, afirma.

Demarcação

Atualmente, novos pedidos de demarcação de terras nem mesmo chegam a ser analisados: desde abril de 2016 nenhum decreto de demarcação foi assinado pelo presidente Michel Temer – e, segundo a Funai, 72 áreas esperam pelo aval do presidente para o início dos processos de demarcação. Entre os 1.500 processos parados no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), 80% deles ainda estão na fase inicial de registro, que inclui pesquisas antropológicas e culturais realizadas pela Funai.

Além disso, a própria Funai tem sofrido cortes no orçamento (embora represente apenas 3,3% do orçamento total do Ministério da Justiça). Em 2017, a previsão orçamentária da Fundação foi a menor em uma década, um total de R$110 milhões, quase a metade do orçamento previsto para 2007, de acordo com o Portal da Transparência.

“Até a ditadura demarcou-se terras, e agora, do jeito que está, realmente há uma guerra declarada aos territórios indígenas no Brasil”, afirmou o documentarista Vincent Carelli à CULT em abril, época do lançamento do documentário Martírio, que acompanhou a luta dos Guarani-Kaiowá do Mato Grosso do Sul pela retomada de suas terras. “É Davi contra Golias: é a classe mais reacionária do país e o povo mais resistente que eu conheço”, disse.

Ainda assim, Popygua afirma que os indígenas estão “organizados”. Sempre de forma pacífica – ainda que sem muito impacto na mídia -, eles têm se manifestado: em abril, houve um grande protesto pela demarcação de terras em Brasília, que contou com o apoio de artistas como Gilberto Gil, Elza Soares, Zeca Pagodinho e Ney Matogrosso. No último dia 9, Dia Internacional dos Povos Indígenas, a Avenida Paulista também recebeu uma manifestação pelo direito à terra. “Nós é que somos os habitantes primitivos, não fomos trazidos de fora, sempre estivemos aqui. O que nós queremos é ser reconhecidos”.

Atualização

O julgamento sobre a questão do marco temporal terminou nesta quarta com uma decisão favorável aos indígenas em relação às três demarcações. Os ministros do Supremo Tribunal Federal negaram por unanimidade os pedidos do Mato Grosso – e estipularam que o estado deve pagar R$ 100 mil à União, pelos custos de defesa com os quais o governo federal arcou durante o processo, que já se arrastava há 15 anos. Reunidos no local desde as 9h da manhã, grupos indígenas das reservas de Nambikwára e Parecis e do Parque Nacional do Xingu dançaram em comemoração à decisão.

(3) Comentários

  1. Desde a chegada dos portugueses ao Brasil, o índio vivencia um descaso em suas próprias terras, onde homens de outras terras tentam impor regras sobre os que aqui já habitavam. Por exemplo, a catequização, a escravidão e a perda de sua cultura, mesmo com todas esses obstáculos o índio nunca desistiu de lutar continuando em frente até os dias atuais. O ocorre no Brasil vem de um longo processo em que o preconceito está associado a desvalorização desses povos no passado e isso reflete atualmente, apesar de terem leis que asseguram parte de seus direitos a problematização está associada o que não é posto em prática, ficando restrito apenas no papel. Embora tenha existido mudanças ainda precisa ter mais destaque a questão indígena nos meios de comunicação, o que é ocultado na maioria das vezes. Eles apenas querem uma inclusão social, o direito a moradia em suas próprias terras e assim poderem desfrutar de seus costumes e valores que torna o indígena único e parte da cultura do nosso país.

  2. Exterminar populações nativas para ocupar seus territórios é uma tradição brasileira. Começou no ano de 1500, quando o explorador português desembarcou da caravela e avistou no litoral da Bahia índios que habitavam há séculos as terras anunciadas como recém-descobertas. A indiferença ao genocídio dos povos originários foi amparada na Doutrina da Guerra Justa, utilizada pelo conquistador para banalizar a morte dos pagãos resistentes à chegada do progresso. Pagãos ou “gentios bárbaros” eram considerados todos os povos que não compartilhavam com o colonizador europeu religião, idioma e costumes e chegada do progresso significava a ocupação de suas terras pelo invasor estrangeiro. A História do Brasil precisa ser revista para revelar interpretações mais verossímeis do que as apresentadas nos livros didáticos, omissos em relação ao tratamento genocida dispensado pelo Estado Brasileiro aos povos originários. Índios avistados nos semáforos das cidades brasileiras, pedindo esmolas para garantir a sobrevivência, provam que a tradição continua, porém com versão atualizada. Chegada do progresso significa, hoje, expulsar populações indígenas de suas terras, derrubar a floresta e implantar nelas atividades altamente lucrativas que destroem o meio ambiente e desestruturam a organização social indígena. Quem lucra com a mineração à base de mercúrio que contamina rios e lagos onde os índios pescam e bebem; com o comércio clandestino de madeira e carvão que reduz florestas inteiras a montes de toras e brasas; com a plantação extensiva de milho e soja que abusa dos agrotóxicos e torna o Brasil o maior consumidor de venenos do planeta, e com os projetos de usinas hidrelétricas que são construídas sem respeitar estudos de impacto ambiental e social ?

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