FILOSOFIA CINZA

FILOSOFIA CINZA

Faz tempo que eu tenho vontade de editar um blog novo. Há um tempo atrás, na época em que editei o PinkPunk que tive no GNT, eu achava os blogs muito ligeiros (no duplo sentido da palavra). Depois vieram os minitextos dos microblogs como Twitter e Facebook e me dei conta de que o espaço-blog mudou de sentido. Que o que era ligeiro foi substituído por outro ainda mais ligeiro. E o blog, antes tão rápido, tornou-se agora um lugar para estar e até descansar… Quem diria…

Assim, o blog me aparece hoje como um espaço pra escrever coisas mais longas e organizar um tanto de artigos, entrevistas e crônicas que aparecem por aí e ficam bastante desencontrados. É mais ágil que um site e a desatualização do meu é a prova disso: www.marciatiburi.com.br .

Por fim, este blog resulta de uma vontade de oferecer aos meus leitores uma melhor qualidade de contato neste mundo em que estamos todos tão próximos e tão distantes. Este blog é pra vocês que gostam do trabalho do conceito e da escrita.

O nome FILOSOFIA CINZA, aliás, vem do meu livro de 2004, chamado  FILOSOFIA CINZA em que eu acreditei elaborar uma filosofia da escrita. Nestes tempos em que escrevemos muito mais do que nunca, mesmo sem saber por que ou para quê, esta pode ser uma questão comum a todos os que se aventuram no campo da escrita seja ele ciberespacial ou não.

Aqui, na estréia deste espaço destinado a crônicas, contos, trechos de livros, dicas de livros, resenhas, sugestões, e o que mais me der vontade, publico um trechinho do livro FILOSOFIA CINZA (Porto Alegre: Escritos, 2004) que raramente se encontra em livrarias e mesmo em sebos. O livro é fruto da minha infância intelectual – na qual espero ainda estar. O estilo é afetivo no sentido spinoziano-deleuziano, ensaístico no sentido adorniano, alegre no sentido nietzscheano, livre no meu próprio sentido. Escolhi este trecho como quem encontra uma pedra e a coloca sobre uma folha de papel em branco para que ela não voe…

Não se espantem se parecer vulgarmente metafísico, é que filosofia é só uma ação para fazer pensar… E pensar começa com um estranhamento.

PENETRO NA DENSIDADE DA APARÊNCIA. Ela não é apenas a passividade estética da coisa, mas também o que dela decorre, seu devir como o que dela emana, sua consequência, seu efeito e resultado. A aparência é objetivação da vontade, exposição da verdade da coisa, a verdade é, por sua vez, o que dela se pode conhecer. Mais a dúvida que nela se mantém. O que dela não se pode conhecer também se dá a ver negativamente. O abandono da essência e a opção pela aparência leva-nos a seguir more Schopenhauer: o fenômeno é a objetivação da vontade como a aparência é, também em Hegel, a verdade. A opção pela cor da filosofia procura a verdade do aparecer não como bruma da verdade, esta perdeu-se em fumaça de gelo seco: nem claridade, nem obscuridade, nem falsidade nem mentira, busca-se o tom e o entre-tom onde as coisas opostas se confundem no mesmo espaço das luzes entrecruzadas e esmaecidas. A ação do ser aparece como exposição e forma. Metáfora? Ainda não sei, mas suponho que cores não sejam metáforas, pois não querem expressar outra coisa que a ação de luzes. A cor diz uma ação. A verdade estética, todavia, não é só a pátina que recobre os fenômenos, a pele por sobre os ossos do ser, mas a pele entendida como ser; o modo como se dá o ser em sua aparição (como a ação da luz é aparição da imagem). O cinza como cor, tentarei mostrar, significa uma determinada ação do conhecimento. O conhecimento, todavia, não é mais que sua ação.

Fotografia é a impressão de luz sobre papel. Filosofia Cinza é impressão de luz sobre papel, efeito da revelação dos fenômenos. Impressão e re-velação cinza.

(34) Comentários

  1. Que bom ‘te ter’ atualizada além 140 caracteres, Márcia.

    Teu trecho cinza remeteu-me a uma reflexão própria, quando pensei-e-escrevi que “a vida em si é de um cinza neutro, maravilhosamente indiferente e impregnado. A vida se dá cinza. As cores com as quais tento pintá-la são sempre artificiais – o que digo sem intenção pejorativa. Artificiais porque não lhe são intrínsecas, mas sempre dadas de fora, num esforço e exercício contínuos. (…) Sendo eu ou sendo o acaso, a pintura é externa à vida, que continua redundantemente neutra. (…) E eu tenho pressa do tempo que escorre as cores que eu não quero, ainda que saiba que as cores que eu quero também vão escorrer.
    Sinto que a felicidade – ou o mais perto que disso consigo chegar – está em descobrir esse tom cinza da vida. E felicidade me soa muito colorido: melhor falar em paz.”

    Um beijo,

    Talita.

  2. Que maravilha! Parabens! Gostaria de perguntar nesta oportunidade, como esta o projeto da Helena Schopeinhauer. Obrigada, Joema.

  3. OI, MARCIA!
    ESTOU FELIZ COM ESTE OUTRO “FILOSOFIA CINZA” QUE NÃO O LIVRO – LIVRO QUE EU QUERO OUVIR. CONSEGUI LER SEU POST, QUE ME DEU UM “GOSTO” DO LIVRO.
    LIVRO, PARA MIM, TEM GOSTO :SABOR. SE AS CORES TÊM PAPEL, AÇÃO, SIGNIFICADO, O PALADAR, QUE, TALVEZ, PAREÇA MENOS OBJETIVO QUE AS CORES, TAMBÉM TEM. ISSO ME DEU UMA IDEIA…
    BEIJOS, MI

  4. Interessante este novo Blog teu! Cinza é, mesmo, tudo que é um tanto indefinido, lembrou-me um filme que assisti aos vinte e poucos anos “O Bosque das Ilusões Perdidas”, do livro de Alain Fournier, se não me engano. Uma parte era envolta em brumas e td era surreal. Nossa vida, às vezes, é um tanto cinza, quando ficamos circunspectos, falando com nossos botões, nos conhecendo, para voltar, quem sabe, às cores mais vivas novamente! Gostava de tua atuação no “Saia Justa”, que acompanhava com avidez… Então, vamos lá, te acompanhando em mais esta empreitada! E tuas artes, não me recordo se pinturas ou desenho, como estão? Eram sempre muito delicadas! Onde se pode apreciá-las, sabê-las? Abraço e que sejas, sempre, bem-sucedida!

  5. Obrigada, Maria Helena. Bela dica, vou tentar ver este filme. Sobre os desenhos: a mosquinha do cabeçalho é minha. Apareça sempre, será um prazer ler seus comentários. Beijos, Marcia

  6. Parabéns pelo novo blog o nome é tbém bem sugestivo…estou me deliciando coma leitura do O MANTO,tive q diminuir o ritmo,me perdi em alguns momentos…agora achar esse seu livro filosofia cinza…tá dificiel….

  7. Andreia, obrigada por ler O Manto. Realmente é preciso certa força espiritual para a empreitada. Se eu tivesse um Filosofia Cinza eu mandava pra vc.Comprei 10 no ano passado quando encontrei numa livraria em BH, mas já dei todos, fiquei com um só. Um beijo,Marcia

  8. Márcia, há anos que te espreito, de perto(fui aos teus lançamentos de livros aqui em Poa, tua exposição dos desenhos – magníficos…!) ou de longe (café filosófico, saia justa), mas hoje o que me faz conectar contigo foi ter me deparado com esta inauguração deste blog, mais precisamente com o nome do blog -filosofia cinza. Porque? Porque em 2004 conclui meu curso de filosofia na UFRGS, e o primeiro livro que me apareceu não me lembro como, foi o teu “Filosofia Cinza” que eu li avidamente e, apesar de dizeres da tua infância filosófica, para mim foi um horizonte muito ampliado, depois daquele ranço aristotélico acadêmico. Hoje estou mais profundamente envolvida com mimha profissão de fé que é a astrologia, mas a filosofia é uma luz esclarecedora, re-veladora sempre, espero compartilhar teus textos, teus pensamentos. Um abraço
    Ana Rodolphi

  9. tive um princípio de mundo em contato com filosofia cinza: “após diabolus/desenho (experimento inturmão com o diálogo/desenho), fui presenteado, pela própria marcia tiburi, com um exemplar de sua obra-prima “filosofia cinza – a melancolia e o corpo nas dobras da escrita”. já fiquei fascinado (canto de sereia) desde o título. assim, ébrio, abri o li. adoravelmente uma dedicatória saltou em mim (mensagem ao mesmo tempo futura e póstuma). sua técnica de ataque foi a mesma de uma vespa-do-mar. tentáculos ágeis me envolveram e me inocularam saboroso e mortal veneno. porém, marcia me alertara: “toque de medusa ao contrário”. sim, primeiro “toque de medusa”, que ao invés de cobras tinham delicados tentáculos saindo de sua cabeça. que ao simples contato com minha pele, abriu-me feridas e inoculou-me cinzas e brasas. em seguida “ao contrário”: ao invés de um colapso generalizado em meu corpo, fui tornado quetzalcoátl. com essa nova pele e forma, “serpente emplumada”, “pássaro serpente da guerra” (para astecas, toltecas e maias) voei sobre a filosofia cinza de marcia tiburi em busca da melancolia e do corpo nas dobras da escrita”. marcia! parabéns por mais esta dádiva em forma de blog!

  10. Que bom, Márcia, que você resolveu fazer um blog e dividir conosco suas publicações. Acho superbacana a ideia de juntar os seus textos em um único lugar, pois nem sempre temos acesso à Filosofia por uma linguagem clara e objetiva como a sua, no sentido de menos obliterada. Não menos complexa, obviamente, porque pensar e refletir é complexo mesmo.

    E, afinal, como encontrar o Filosofia Cinza? Você tem algum exemplar pra vender? hehe 😉

    Um abraço

  11. Oi Márcia, o cinza sempre me pareceu a cor que teria aquela compreensão que se busca permanentemente em relação à vida – por oscilar entre a descoberta ora de sentido ora da falta dele. Obrigado pelo blog. Bj.

  12. Querida Marcia! Amei o texto e suas considerações.
    Acredito que vamos nos deliciar com os textos e as inúmeras reflexões que ganharemos com estes!
    Vou divulgar para REDE de Escolas.
    Bjs Lu

  13. Marcia,
    De visual limpo (cabeçalho discreto e bonito), filosofia cinza nos lança para teu ato de escrever. Finalmente, retornas e nos alegra com tua escrita fascinante. Espaço para reunir tanta coisa espalhada pelo hd e por ai. O livro é aquela pérola que se guarda na caixinha de veludo trancada a mil chaves como “a luz que faz cintilar o cristal (MT)”. Adorei! Au

  14. Estou feliz pelo início deste blog e desejo acompanhar todo seu desdobramento! Pelo gosto do trabalho, do conceito e da escrita! Sem dúvida, um espaço para o encontro de todos nós que estamos tão próximos e distantes. Pela filosofia, pela ação, pelo pensar, que venha o estranhamento!

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