Falta diversidade nas feiras literárias brasileiras, diz criador da FLUPP
A FLUPP acontece entre 8 e 13 de novembro, na Cidade de Deus (Foto: Divulgação)
Paulo Henrique Pompermaier
Desde 2012, quando foi criada no Rio de Janeiro, a Festa Literária das Periferias (FLUPP) já passou pelo Morro dos Prazeres, pela Babilônia, Mangueira e por Vigário Geral. Neste ano, em sua quinta edição, chega à Cidade de Deus a partir da próxima terça (8). “A gente percebia uma demanda por algum festival literário com envergadura na cidade que pensasse essa diversidade de territórios, que não excluísse a favela. E percebia também que tinha uma juventude que, a despeito dos dados sobre leitura no país, não só liam como gostavam de escrever. E a gente queria criar um canal para gerar oportunidades para esses jovens”, conta um dos criadores da FLUPP, Écio Salles.
Na programação deste ano há nomes como a dramaturga transgênero Jo Clifford, o rapper Mano Brown, a escritora negra Conceição Evaristo e o ensaísta alemão Hans-Ulrich Treichel. Para Salles, a diversidade – que na FLUPP aparece como uma “preocupação central” da curadoria – não é priorizada na maior parte dos grandes eventos literários do país. “As pessoas prestam muita atenção nas coisas feitas só por negros, mas ninguém se importa se um festival brasileiro, com artistas brasileiros, tem apenas brancos. Acham isso normal, acham que raça não existe”, critica.
Criada para ser um espaço de formação de novos autores e leitores nas periferias das grandes cidades, a FLUPP revelou nomes como Jessé Andarilho, publicado pela Objetiva em 2014, e Julio Pecly, que no ano passado lançou Cidade de Deus Z, pela Leya. Dez livros foram publicados desde o início das oficinas de formação, em 2012, e mais de cem nomes foram revelados. Em entrevista ao site da CULT, Écio Salles fala sobre a edição deste ano da feira e critica a falta de diversidade dos grandes eventos literários do país.
CULT – Falta representatividade e diversidades nos grandes eventos literários do Brasil?
Écio Salles – Eu acho que sim. Foi publicado nos jornais no ano passado a polêmica em torno da edição da FLIP sem autores negros e sem nenhum negro na curadoria. É claro, a gente conhece o Paulo Werneck, sabemos que não houve motivações racistas, mas por outro lado não há uma insistência em garantir a representatividade de diversidade brasileira nos grandes festivais, algo que para nós, na FLUPP, está sempre presente. Temos autores independentes de cor, raça, sexo, credo, mas sabemos que é muito importante existir também uma representatividade identitária, primeiro porque o país tem que se expressar em cor. Quando o Jailson de Souza, diretor do Observatório de Favelas, viu o público em uma edição da “FLUPP Pensa”, comentou comigo: “Puxa vida, isso aqui é o Brasil”. Porque tinha ali uma representatividade muito significativa, de pessoas de diferentes territórios cariocas, do Rio, muita gente da Baixada Fluminense participando, por exemplo, e gente de todas as cores e orientações sexuais, cada uma com as suas propostas e um diálogo que para nós é muito importante. Sabemos que o Brasil se formou de maneira que não favorece a preocupação com a inclusão e a diversidade, mas para nós é importante que isso exista, até para mostrar que, apesar de tudo, existem grandes autores negros, eles não são todos brancos. Se eles não estão presentes [nos grandes eventos literários] não é por falta, inexistência de bons escritores negros. Na nossa curadoria, sempre nos preocupamos em ter um equilíbrio entre autores homens e mulheres, de todo espectro de raça ou cor que existe e que, na verdade, resume o que é o Brasil. Nunca perdemos isso de vista, diferente dos grandes festivais, que não têm essa como uma preocupação central.
Uma festa literária como FLUPP mantém essa importância então, de garantir a diversidade?
Um dos aspectos que percebemos na forma como se organiza o Brasil, é que às vezes os considerados brancos não percebem os seus privilégios. E um dos privilégios que eles têm é justamente esse. As pessoas prestam muita atenção nas coisas feitas só por negros, mas ninguém se importa se um festival brasileiro, com artistas brasileiros, tem apenas brancos. Acham isso normal, acham que raça não existe. A gente procura, no nosso festival, incentivar essa diversidade e enfatizar esse aspecto, porque é importante dar visibilidade a escritores negros ou de periferia que têm um trabalho maravilhoso sendo realizado, até para que eles possam, também, se apresentar em outros festivais.
A FLUPP foi criada em 2012. Desde então, há uma projeção maior desses autores que participam do evento, e que estão fora dos eixos consolidados?
Historicamente a literatura brasileira tem algumas omissões muito importantes nesse campo. Por exemplo, o Lima Barreto foi marginalizado durante muitos anos e hoje parece inclusive que vai ser homenageado pela própria FLIP, o que é de uma importância histórica. O Lima foi o primeiro autor homenageado pela FLUPP. A gente dá muita atenção ao fato de termos homenageado o Lima Barreto, mas o festival era recém-nascido, então nosso impacto era pequeno na época. Mesmo assim foi importante. Uma autora como Maria Firmina dos Reis [considerada a primeira mulher a ser publicada no Brasil], por exemplo, que escreveu um romance incrível, é pouquíssimo citada por acadêmicos ou na própria história da literatura. Porém, uma geração mais recente, como Conceição Evaristo, para falar de uma escritora negra, e o Ferréz, pra falar de um escritor da periferia de São Paulo, têm ocupado um lugar cada vez mais destacado, então sem dúvida nenhuma que isso está melhorando. A gente só não pode achar que o fato de estar melhorando signifique que está resolvido, que os problemas acabaram. Ainda falta um longo caminho a ser trilhado, mas já avançou muito. A polêmica em torno da FLIP ano passado foi importante, mostrou que, pelo menos, não há mais silêncio sobre essas questões. As redes sociais colaboraram muito nesse sentido para que, pelo menos, possa haver alguma reflexão em torno dessas ausências, quando elas acontecem.
FLUPP 2016
Quando: 8/11 a 13/11
Onde: Praça da Cidade de Deus (Praça Padre Júlio Groten) – R. Edgar Werneck, 1565 – Jacarépaguá
Quanto: Grátis