Falar é uma habilidade, conversar é uma arte

Falar é uma habilidade, conversar é uma arte
Do ponto de vista da prática filosófica, o diálogo, a conversa, é algo indispensável para uma vida social e política saudável e democrática (Foto: Divulgação)

 

Waldomiro J. Silva Filho, professor titular do Departamento de Filosofia da Universidade Federal da Bahia e pesquisador do CNPq, conversa com a Cult sobre diálogo, democracia, filosofia e o curso que está ministrando no Espaço Cult, A arte de conversar a beira de um abismo: filosofia e democracia. Leia abaixo a entrevista.

 

Existe diferença entre conversação e diálogo? 

De um ponto de vista técnico, sim, há uma diferença que podemos analisar na história do pensamento: o “diálogo” é a forma de uma narrativa filosófica que interpõe argumentos contrários que são examinados criticamente, como na obra de Platão; a “conversação” ou simplesmente “conversa” é a dinâmica do intercâmbio entre pessoas por meio da linguagem, tal qual no dia a dia.

Porém, neste curso, eu não irei explorar essas diferenças finas e técnicas. Meu objetivo é precisamente ressaltar que, do ponto de vista da prática filosófica, o diálogo, a conversa, é algo indispensável para uma vida social e política saudável e democrática. Já na antiguidade clássica, a disputa legítima em torno de posições e argumentos em desacordo era algo fundamental.

O incontornável desacordo entre as crenças e valores que ocorre na conversa é exatamente o oposto daquilo que hoje chamamos de “polarização”. A conversa inclui as outras pessoas (seus argumentos, suas ideias, seus valores) e a polarização exclui os outros (quer-se silenciar ou eliminar os argumentos, ideias e valores das outras pessoas; na polarização é comum querer eliminar a outra pessoa).

 

Quais são os pontos abordados no curso?

No curso eu procuro apresentar uma noção de “conversa” como uma prática humana baseada no desacordo legítimo e no interesse mútuo. O fato é que ainda que partilhemos uma linguagem comum, que vivamos no mesmo mundo natural e tenhamos uma mesma constituição biológica, isso nunca foi uma garantia para que esses encontros nos conduzam para o entendimento mútuo, a compreensão, a convergência ou, pelo menos, o reconhecimento tolerante das divergências de opinião.

Minha máxima é: falar é uma habilidade, conversar é uma arte. Aprende-se a falar já na infância, com nossos pais e na espantosa descoberta do mobiliário do mundo e da engenharia dos atos linguísticos. Conversar, por sua vez, leva muito mais tempo, exige esforço e treino, requer dirigir-se aos outros, interessar-se pelos outros, mover-se das nossas próprias perspectivas, interesses e opiniões para as perspectivas, interesses e opiniões das outras pessoas. A conversa, ademais, envolve assimetrias na dinâmica de posições que se alternam, e impõe saber falar e saber silenciar a favor de um ritmo oscilante que pode levar a pensamentos inesperados.

Eu irei fazer uma breve referência a quatro filósofos de épocas e lugares diferentes, Platão (especialmente à obra Filebo), Michel de Montaigne, Donald Davidson e Achille Mbembe para ressaltar a forma da conversa ou a forma do diálogo que exige que os participantes exponham suas posições e respeitem o desacordo dos seus interlocutores.

 

Por que esse curso é necessário agora?

Pensando no contexto que vivemos hoje, com a emergência de discursos que vão da extrema direita aos identitarismos (ou tribalismos epistêmicos, como diz o prof. Wilson Gomes), a conversa é urgente. A polarização cavou um grande abismo e todas as grandes conquistas da nossa história recente arriscam ser engolidas por esse buraco tenebroso.

A conversa importa porque democracia importa para um estilo de vida baseado na igualdade, na liberdade, na justiça. Com a conversa, todos nós, independente das posições intelectuais, políticas e morais, nos obrigamos a não renunciar à força das palavras e ao jogo aberto e indeterminado da disputa por razões no ambiente do diálogo baseado em argumentos e na busca do acordo e da amizade cívica. A filosofia importa porque a capacidade para participar de uma conversa mediada pela filosofia diz respeito a uma capacidade básica do jogo da democracia: substituir toda a força e violência pelo poder da fala e, com isso, saber investigar, estar apto para debater frente ao auditório humano, conceber o rival como um igual. Importa porque a democracia trata daquilo que “devemos uns aos outros”.


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