A ética da psicanálise e a peste generalizada

A ética da psicanálise e a peste generalizada
  Em uma conferência feita em Viena, em 1955, Jacques Lacan afirmou que teria ouvido da boca de Carl Gustav Jung que Sigmund Freud, quando chegava ao porto estadunidense de Nova York para as célebres conferências na Universidade de Clark, teria declarado: “eles não sabem que lhes estamos trazendo a peste”. Ao que tudo indica, a frase não teria sido exatamente essa, conforme o Dicionário de psicanálise (Zahar, 1998), mas mesmo assim ela parece condensar a ideia de que a psicanálise seria uma prática subversiva e crítica. Menos do que uma inexatidão histórica, é possível que o mito da psicanálise como peste, que se infiltra na cultura produzindo desordem e revelação de suas verdades intestinas, tenha sido a expressão do desejo de Lacan e funcione como uma espécie de síntese de seu ensino. Se essa hipótese é razoável, seria preciso descobrir por que a alegoria da peste atraiu Lacan. Examinando o contexto exato de sua aparição, três outras imagens circundam o enunciado: a estátua da Liberdade, que “ilumina o universo”; a “arrogância, cuja antífrase e perfídia” ameaçam seu brilho; e a vingança (Nêmesis), que poderia fazer Freud voltar para a Europa em “passagem de primeira classe” (Escritos, p. 404). Temos aqui o movimento característico da obra lacaniana, que se inscreve na herança do Iluminismo, da razão e da universalidade, mas que se depara, em um momento trágico, com uma espécie de exagero de confiança, o que a torna arrogante e exposta crescentemente à perfídia (intriga) e ao temor (antífrase). A figur

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