O Estadão e a renúncia de Bolsonaro

O Estadão e a renúncia de Bolsonaro
Bolsonaro nunca deu razões para suspeita de que estivesse apto a governar, e continua do mesmo jeito (Foto: Dida Sampaio)

 

“Se o presidente Jair Bolsonaro está mesmo convencido de que o Brasil está quebrado e de que ele não pode fazer nada, é imperioso – para o bem do País e dos brasileiros – que renuncie o quanto antes”, disse o editorial do Estadão deste 7 de janeiro.

O editorialista do Estadão não é certamente o primeiro a pedir a Bolsonaro a decência de reconhecer-se incapaz de governar e retirar-se. Reinaldo Azevedo tem repetido isso, assim como muitos outros colunistas e comentaristas também. Até eu tive um texto que viralizou nesses dias, principalmente entre influenciadores políticos que hoje são ex-bolsonaristas, como Nando Moura, Danilo Gentili e O Antagonista, em que se reconhece apenas o óbvio, isto é, que ideologia, loucura, maldade, falta de valores democráticos, nada disso tem a ver para nos impedir de ter uma vacina, quando qualquer país decente, e muitos indecentes, já estão vacinando os seus cidadãos. Não, meus amigos, não temos vacina porque temos uma piada como presidente. É por incapacidade, incompetência, por inépcia mesmo. É um presidente de brinquedo, um vazio mental, uma piada de mau gosto. O menor presidente do mundo.

Há, portanto, um consenso se formando sobre como mais do que um fanático ideológico e um autoritário político, Bolsonaro é antes de tudo um incompetente, um incapaz. Depois, então, de ter confessado esta semana, com todas as letras, que o país está quebrado e que ele não tem como governá-lo, fora deste consenso sobraram apenas os que estão vinculados a Bolsonaro com base em fé e em identificação, posto que estão fora do alcance de fatos, dados, informações e, sobretudo, da racionalidade.

Quando o jornal de referência da direita clássica brasileira, O Estado de S. Paulo, declara que o país estaria melhor sem Bolsonaro na presidência, isso é praticamente uma certificação de que a elite empresarial e financeira do país, que o cristianizou em 2018 porque queria se livrar do PT, finalmente se fartou dele e perdeu a confiança de que Paulo Guedes lhe tenha ainda qualquer serventia.

Por outro lado, é preciso pensar que se trata do mesmo jornal que disse no segundo turno de 2018 que o eleitor estava “diante de uma escolha muito difícil”, entre o professor, de um lado, e o maluco populista-autoritário, antipolítica, ultraconservador da extrema-direita, que venerava um torturador e passou a vida ofendendo mulheres, homossexuais e negros de todas as formas possíveis. O que havia de tão difícil naquela escolha, com tudo o que já se sabia sobre Bolsonaro?

 

Sim, pois o sujeito que nos
governa pode ser acusado de
tudo, inclusive de corrupção,
menos de que tenha se
revelado diferente do que
sempre foi.

 

 

Nunca se teve razão para desconfiar de que Bolsonaro fosse competente, razoável, preparado para ser o principal mandatário do país ou que tivesse convicções democráticas. E ele continua exatamente assim. Bolsonaro nunca deu razões para suspeita de que estivesse apto a governar, a lidar com uma crise econômica, a nos tirar da crise política, a restaurar a confiança no país, a atrair investimento, a cuidar do meio ambiente e das pessoas mais pobres. E continua do mesmo jeito.

Pode-se dizer o que queira de Bolsonaro, mas ninguém pode lhe acusar de ser inteligente, equilibrado e respeitoso ou ter em algum momento fingido ser algo próximo a isso. Nesta quinta-feira, inclusive, começou o dia declarando que o principal âncora do jornalismo brasileiro, William Bonner, “é o maior canalha do país”. Pelo crime de dizer diuturnamente o óbvio: que ninguém está governando o país, não há sequer um adulto na sala.

Por outro lado, não sou dos que ficam vendo a política pelo retrovisor, como se dando bronca no passado a gente pudesse consertar o desastre do presente, mas os editorialistas de grandes jornais não deveriam também implicar nas consequências das suas decisões políticas, como se fossem adultos? Quem me acompanha sabe que falo muito que um dos grandes problemas nacionais é que os eleitores brasileiros se infantilizaram e, portanto, não assumem que o seu voto tem consequências nem se sentem obrigados a se responsabilizar por elas. Mas o mesmo tem que valer para os editoriais dos jornais de referência, que pesam muito mais do que um voto, e ainda influenciam a decisão eleitoral de um número importante de pessoas.

Um editorial de um jornal como o Estadão poder ser crucial numa eleição muito disputada. Um jornal que escreveu que era uma escolha muito difícil um voto que envolvia Bolsonaro em 2018 não pode fazer de conta que não tem responsabilidade pelo que saiu das urnas e, principalmente, pelo fato de estarmos sermos governados assim, por um eterno adolescente revoltado, perseguido, paranoico, malcriado e, claro, incompetente. Bolsonaro enganou o Estadão? Duvido. O Estadão é que se enganou e nos enganou, e isso é uma coisa imperdoável para um jornal de qualidade.

Wilson Gomes é doutor em Filosofia, professor titular da Faculdade de Comunicação da UFBA e autor de A democracia no mundo digital: história, problemas e temas (Edições Sesc SP)


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