Entrevista – Maria Silvia Bolguese

Entrevista – Maria Silvia Bolguese

Maria Silvia Bolguese, psicanalista e membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae

CULT – O que é a depressão?
Maria Silvia Bolguese – Em relação à psicanálise, quero destacar que a depressão pode ser compreendida considerando-se um espectro que vai desde os estados depressivos considerados normais, ou seja, reações de recolhimento do sujeito frente a dificuldades da vida, por um lado, ou angústias e desequilíbrios advindos de instabilidades internas; até as manifestações melancólicas graves, que impedem, inibem as possibilidades do existir.

CULT – Por que a depressão pode ser considerada um sintoma social?
Maria Silvia
– Sujeitos deprimidos e medicados são os sujeitos conformados à lógica dominante, que visam apenas a partir de si mesmos corrigir seu mal-estar. A passividade contemporânea em relação às condições sociais e políticas é decorrência dessa ideologia da culpabilização e responsabilização dos sujeitos. Claro está que os estados depressivos graves e melancólicos devem ser tratados pelo que produzem de sofrimento a seus portadores, mas não se pode deixar de considerar em nenhum caso as condições de vida a que esses mesmos sujeitos estão submetidos.

CULT – Em quais casos é necessário o uso de medicamentos?
Maria Silvia
– Estados depressivos graves e persistentes, que inviabilizam a vida por muito mais tempo, dificilmente podem ser explicados diretamente pelos sujeitos. Será preciso um longo e lento trabalho de aprofundamento para que o sujeito, acompanhado por um psicanalista, possa compreender e elaborar o seu mal-estar. Nesses casos, um período de medicação é importante, para que o sujeito se coloque, inclusive, em condições de se tratar. Em outras palavras, o medicamento deve ser colocado a serviço do tratamento mais global e não ser em si mesmo a finalidade última do tratamento.

CULT – Qual a sua opinião sobre o uso da eletroconvulsoterapia no tratamento da depressão?
Maria Silvia
– Mesmo que se argumente que a eletroconvulsoterapia se vale de correntes mínimas de eletricidade, apenas com fins de estimulação das regiões cerebrais, não se pode deixar de criticar essa prática, fundada que é em princípios claramente violentos contra a subjetividade, além de não possuir as condições ideais de controle total dos riscos envolvidos na utilização dessa técnica.

Ricardo Moreno, psiquiatra e coordenador do Programa de Transtornos Afetivos do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (IPQ)

CULT – Sob o ponto de vista da psiquiatria, o que é a depressão?
Ricardo Moreno
– Depressão é uma doença que tem como base uma disfunção química do cérebro, ou seja, os sistemas de neurotransmissão são comprometidos. Ela se caracteriza por uma série de sinais e sintomas. Ela tende a recorrer ao longo da vida e tem uma série de prejuízos em vários níveis. Depressão não é tristeza, não é uma reação emocional a um evento qualquer.

CULT – A depressão pode ser motivada por fatores sociais?
Ricardo
– Não. Isso é uma coisa que se fala há muito tempo, principalmente algumas vertentes interpretativas, mas a depressão não pode ser causada por fatores sociais. O que nós sabemos das causas da depressão: primeiro, há uma causa genética – 40% dos pacientes com depressão têm um fator genético envolvido. Mas não é somente o componente genético, tem de haver um componente psicossocial e psicológico. O que se sabe é que indivíduos que têm predisposição a ter depressão, quando submetidos a estresse, físico ou psicológico, podem ou não desenvolver a doença, dependendo da vulnerabilidade genética que eles têm e a capacidade psicológica de lidar com o estresse.

CULT – Quais os tratamentos que possuem eficiência comprovada?
Ricardo
– Os medicamentos antidepressivos são os tratamentos de primeira escolha, e algumas terapias de eficácia comprovada que não incluem a psicanálise. A terapia coginitivo-comportamental e a psicoterapia interpessoal são as mais estudadas.

CULT – Há muita discussão acerca do uso da eletroconvulsioterapia. Qual a sua opinião?
Ricardo
– Em psiquiatria, assim como em outras áreas da medicina, nós temos de lidar com três variáveis: ignorância, medo e preconceito. O eletrochoque é um tratamento usado no Brasil, nos Estados Unidos, na França e em outros países. Ele tem suas indicações, sua margem de segurança, e tem seus riscos como qualquer outro procedimento médico. O eletrochoque tem mais de 50 anos de uso, é um tratamento eficaz e seguro. Só para ter uma ideia, é extremamente seguro para as mulheres grávidas que estão deprimidas, tanto para a mãe quanto para o feto. É mais seguro do que medicamentos antidepressivos.

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