Entrevista – Richard Bourne

Entrevista – Richard Bourne

Professor de estudos políticos da Universidade de Londres, o inglês Richard Bourne lança biografia sobre Lula

Eduardo Fonseca

O objetivo era apresentar aos ingleses e norte-americanos um retrato da situação política do Brasil tendo em vista seu personagem mais popular atualmente, o presidente Lula. Em sua biografia, lançada em 2008 nos Estados Unidos e na Inglaterra, e que chega agora ao Brasil pela Geração Editorial, o professor de estudos políticos da Universidade de Londres Richard Bourne diz que não teve a pretensão de falar do Brasil para brasileiros, que tampouco quis fazer perfis psicológicos ou entrar no mérito sobre ‘‘o que o presidente gosta de comer no café da manhã’’.

Para ele, que esteve no Brasil pela primeira vez em 1965, o importante foi mostrar os jogos de poder que, por um lado, constroem um país em que o público e o privado se confundem de maneira insistente e, por outro, elege um ex-metalúrgico para ser o timoneiro da barca. ‘‘Um país fascinante tanto pela vitalidade de seu povo quanto pela variedade cultural que possui. Um país que está desenvolvendo suas próprias instituições, diferentes das que encontramos na América do Norte e no resto da América Latina.”

Na entrevista a seguir, Bourne fala à CULT sobre algumas dessas particularidades vistas de fora.

CULT – Você afirma que um dos motivos que o levaram a escrever uma biografia sobre Lula foi que as pessoas nos Estados Unidos e na Inglaterra têm uma noção muito restrita do ‘‘Brasil moderno’’. Como é o Brasil moderno?

Richard Bourne – O Brasil possui uma grande mescla de fatores e instituições, alguns deles tão modernos quanto você poderia encontrar em democracias europeias e norte-americanas, e outras tão feudais e tradicionais quanto nos países mais conservadores de algumas partes da Ásia e da África. Possui, por exemplo, uma medicina sofisticada e uma indústria de aviação; ainda assim, a desigualdade na cobrança de impostos permanece tão injusta quanto a de países pobres onde uma pequena elite detém o monopólio dos recursos naturais.

CULT – Em contraste com outros países emergentes, como Rússia, China e Índia, quais são as vantagens e desvantagens do Brasil?

Bourne – O Brasil é significativamente mais democrático que Rússia e China. Possui melhor compreensão da necessidade de um Poder Judiciário independente, do Poder Executivo e do Congresso. Essa é uma vantagem capital. Comparado com a Índia, acredito que o Brasil possui a vantagem de estar mais bem preparado. Como desvantagem, vejo a educação, uma área em que o Brasil deveria investir ainda mais.

CULT – Você também é autor de um livro sobre Getúlio Vargas. Acha que tanto Vargas quanto Lula confirmam certa tendência do povo brasileiro de acreditar em salvadores?

Bourne – Sim, acho que o brasileiro mais pobre ainda se encontra inclinado a acreditar em salvadores. Isso é uma vantagem para políticos como Paulo Maluf, em São Paulo. Entretanto, acredito que os eleitores brasileiros estão se tornando mais críticos, inclusive os mais pobres. O atrativo do salvador está gradualmente esmorecendo, e os eleitores estão comparando mais o que os políticos dizem com aquilo que eles realmente fazem.

CULT – Os brasileiros são tidos como passionais. Nestes 40 anos em que você se dedica a estudar o país, tem percebido mudanças nesse aspecto?

Bourne – Acho que a paixão ainda é uma característica marcante, porém o Brasil está mais maduro desde a primeira vez que o visitei. Isso é resultado de dois fatores: a demografia e a educação. A população envelheceu, a taxa de natalidade caiu. Os níveis de educação também melhoraram, fazendo com que uma porção significativa da população tenha acesso à educação universitária.

CULT – Em entrevista, o presidente Lula insinuou que o caso do ‘‘mensalão’’ foi na verdade uma tentativa fracassada de golpe. Diante de uma possibilidade de golpe, quanto a democracia brasileira está realmente madura?

Bourne – Acho correta a análise de que a corrupção está generalizada em todos os partidos. No entanto, acredito que a democracia está firme no Brasil, que seria improvável um golpe militar em pleno século 21, mas muito precisa ser feito para fortalecer suas raízes.

CULT –  Você acha que Lula representa no Brasil mais ou menos aquilo que Obama representa nos EUA?

Bourne – Como um afro-americano de discurso liberal, Obama representou uma mudança nos EUA. Como um herói da classe trabalhadora cujo discurso era mais socialista, Lula tem buscado algumas mudanças para o Brasil, e em algumas áreas tem obtido sucesso. O que impressiona em Lula, e que o diferencia de Obama, é que conseguiu manter intacta sua reputação independentemente do escândalo do mensalão. Não acredito que Obama seja tão popular quanto Lula hoje, no final de seu segundo mandato.

CULT – Quando se trata de política, o que Lula teria para aprender e o que teria para ensinar?

Bourne – Precisaria insistir em reeducar a classe política, que trata o governo e a legislação como uma espécie de negócio particular. Pois parece ser normal para deputados e agentes do poder público fazer renda e fornecer favores a amigos. Mas, ainda assim, ele pode ensinar muito no que diz respeito ao enraizamento da democracia no Brasil.

CULT – O Brasil ainda é o país do futuro?

Bourne – Sim e não. Possui um grande futuro pela frente, mas hoje já é uma nação significativa no mundo.

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