Entre o autor e o gênero indefinido

Entre o autor e o gênero indefinido

Cinquenta segundos de aplausos ininterruptos marcaram a entrada de Luis Fernando Veríssimo na mesa de abertura da Pauliceia Literária. O escritor gaúcho, escolhido como autor homenageado da terceira edição do evento, participou de uma conversa entre Manuel da Costa Pinto, um dos curadores da Pauliceia, e Humberto Werneck, escritor e jornalista que já “editou ou escreveu em quase todos os jornais do país”, como definiu Manuel.

Autor de uma profícua obra, Veríssimo não desmente o humor de seus livros e crônicas em público: ao contrário, este foi o sentimento presente em todo o debate, despontando a cada instante em gargalhadas da plateia após as falas bem-humoradas do gaúcho. Manuel e Werneck estavam na mesma trilha, pontuando todas as suas indagações com certa jovialidade que marcou a mesa.

A grande questão colocada desde o princípio, e que percorreu todas as falas até o final, foi a autonomia da crônica como gênero independente. Sua associação muito comum com o conto em premiações literárias foi criticada, sendo a crônica o “mais brasileiro dos gêneros”, na opinião de Manuel da Costa Pinto. A importância de homenagear Veríssimo, possivelmente o maior cronista do Brasil, na opinião da mesa, reside também em valorizar e premiar a crônica enquanto gênero.

Diversos aspectos da vida do autor de Diálogos Impossíveis foram revisitados. A inevitável questão de sua relação com seu pai, o consagrado Érico Veríssimo, não pode ficar de fora: indagado a respeito, Luis Fernando afirmou que nunca havia considerado a opção de ser escritor, mesmo quando começou a escrever em jornais, justamente pela comparação inevitável com a obra do pai. E mesmo tendo publicado o primeiro livro ainda quando Érico estava vivo, nunca submeteu seus trabalhos à crítica do pai, que também não trocava muitas palavras com o filho. Além da profissão, assemelha-se ao pai quando o assunto é posicionamento político: “Um socialista democrático desiludido”, definiu.

O ofício do cronista

Mais indefinido que a crônica, que segundo Veríssimo é “tudo aquilo que você diz que é crônica”, talvez seja o próprio escritor. Apesar de consagrado como cronista, ele já passou pelo romance, poesia, teatro, desenho, música e até roteiro de TV, facetas comentadas por Manuel da Costa Pinto e Humberto Werneck. Sua escrita, no entanto, não passa por essa imprecisão: “Não sobra nem falta uma palavra, uma letra. Cada palavra é capaz de justificar sua presença no texto”, como Wernek define a literatura do escritor nascido em Porto Alegre.

Indagado sobre seu processo criativo, Veríssimo contou a humorada história de uma entrevista, ao final da qual concluiu que “uma crônica pode partir de qualquer coisa, inclusive de uma braguilha aberta”. Relatou também que, para escrever suas 3 crônicas semanais, está constantemente lendo sobre política, história e economia, e pesquisando no google, a ferramenta que classifica de “erudição instantânea”.

Terminou a conversa falando um pouco sobre suas influências literárias. Ressaltou a grande influência da literatura norte-americana (um livro de Evelyn Waugh foi sua escolha como única companhia em uma ilha deserta), devido a duas estadias por lá. E colocou o conto “A menor mulher do mundo”, de Clarice Lispector, como o melhor texto que já leu na vida. Werneck terminou com a imagem de que um bom cronista “fala só comigo, como se estivéssemos sentados sozinhos no meio-fio”. E Manuel da Costa Pinto novamente reforçou a importância que percebe nesse gênero ao se perguntar se não é ele que chegou mais próximo das investigações estéticas dos modernistas de 22.

Leonardo Sica, representante da Associação de Advogados de São Paulo, onde acontece a 3ª Pauliceia Literária, acredita que o evento é “uma intermitência, uma brecha no centro muitas vezes árido da metrópole”. Além de agitar a vida cultural da cidade, o evento, que contará com 11 mesas até seu encerramento sábado, 17, pretende focar, nesta edição, na liberdade da expressão, base da tolerância tão carente atualmente, nas palavras do representante da AASP.

Pauliceia Literária 2016
Onde: Auditório da AASP  (Rua Álvares Penteado, 151)
Quando: 15 a 17 de setembro
Quanto: Grátis
Info: www.pauliceialiteraria.com.br

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