Nossas elites e a preocupação simbólica com sua imagem
Sergio Moro na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, em 2015 (Foto Marcos Oliveira/Agência Senado)
São quase cem dias de prisão política e arbitrária do maior líder popular da história do Brasil. Muito tem se dito do desgaste que o último capítulo da trágica destruição em curso da democracia brasileira representaria para Moro, que ilegalmente se arvorou do papel de impedir o cumprimento de um decisão de instâncias superiores. Sem dúvida houve um ainda maior escancaramento do atual estado de exceção em que vivemos. Contudo, o problema de se contar demais com esse desgaste para o retorno da democracia em nosso país é que as elites brasileiras – tão sintonizadas com o exterior em condições normais -, quando necessário para seus interesses míopes, reiteradamente se mostram nem um pouco preocupadas com sua imagem, seja domestica ou internacionalmente.
É fato que, distintamente da América Espanhola, onde universidades foram criadas já no início da ocupação colonial do território, as elites brasileiras, até pelo menos em meados do século 19, eram formadas, quase em sua totalidade, em instituições de ensino superior europeias. Assumiam, assim, não só uma perspectiva de mundo forjada no exterior, mas também, ao retornar, continuavam sempre atentas aos eventos e ideias ligadas ao velho mundo. De tal modo que, novamente em contraste com seus vizinhos, passaram a buscar implementar projetos de construção de identidade cultural e política nacionais largamente montados em valores e noções importados, como o Romantismo, o Liberalismo e o Positivismo – todos adaptados em versão ainda mais conservadora ao contexto local, seja ao longo do século 19 ou mesmo no século 20.
A preocupação com a imagem no exterior por parte das nossa elites seria uma marca central do governo republicano criado na nossa Belle Époque tropical. Os pais fundadores da República adotaram rapidamente um slogan positivista francês como elemento central de nossa nova bandeira – e também uma versão modificada da carta magna norte-americana como nossa segunda constituição. Da mesma forma, o grande definidor das nossas fronteiras, Rio Branco definiu como necessário que nossos diplomatas fossem fisicamente parecidos com seus pares europeus a fim de que fossemos considerados como civilizados e merecedores de atenção.
Dando continuidade ao interesse de projetar uma imagem internacional segundo o que era entendido por elas como respeitável, as elites brasileiras – mesmo ao longo da promoção de um padrão de desenvolvimento em bases mais nacionalistas, como em meados do século – pautavam sua atuação internacional pelo intuito de angariar apoio e aprovação no exterior. Assim, quando da ocorrência de uma maior articulação autonomista, no início dos anos 60, grandes interesses domésticos e internacionais se articularam para reiterar o viés subserviente do desenvolvimento nacional. Foi exatamente em 1964 quando, a despeito da preocupação recorrente de aparentar civilidade e modernização, as elites brasileiras se mobilizaram de modo truculento e ilegal para destruir o que tinha sido até então nossa mais importante experiência democrática.
Tanto o Golpe Civil-Militar de 64, como o Golpe Parlamentar de 2016 representam a reiterada associação de grandes interesses locais e globais e, ao mesmo tempo – ainda que não de forma contraditória – a explicitação da mesquinhez e hipocrisia que sempre definiram uma das sociedades mais desiguais do planeta.
Contar, pois, com a preocupação local dos nossos poderosos, seja no campo econômico, político, jurídico ou midiático, para retomarmos nossa vida democrática é atitude ingênua. O interesse na aprovação exterior sempre foi algo mais simbólico do que real por parte de grupos dirigentes que nunca hesitaram em agir de forma totalmente reprovável, segundo qualquer parâmetro de civilidade internacional, caso tenha entendido que seus interesses imediatos possam estar sendo ameaçados.
A resistência democrática não pode, assim, se centrar nos campos jurídico e simbólico, embora também possa e deva ser neles encaminhada. Se trata, alternativamente, de resistir no campo mais constitutivo da política, ou seja, nas ruas e praças desse país.
RAFAEL R. IORIS é professor de História Latino Americana e autor do Livro Qual desenvolvimento? Os debates, sentidos e lições da era desenvolvimentista. (Paco Editorial, 2017)