Diante da Porta da Miséria Espiritual
A roupa suja do mendigo, os cabelos amassados do mendigo, a pele encardida do mendigo, as mãos encarquilhadas do mendigo, as unhas compridas do mendigo, a boca sem dentes do mendigo, o saco com restos de quaquer coisa que o mendigo carrega como um hábito que não o abandona, são escombros atrás dos quais um homem foi soterrado.
É o homem no mendigo que grita com a boca sem dentes diante da filial do banco Itaú na Avenida Angélica em São Paulo, perto do número 2000. O homem pede ajuda e só o que ouvimos é um arremedo de voz, um som sufocado sob a fome do mendigo diante da porta automática. O pedido de ajuda é como um choro, quem sabe a memória de que alguma outra coisa fosse necessária à mera vida na qual foi abandonado, filho da sociedade da qual ele se torna o mais apavorante emblema.
Eu vejo, eu passo, eu volto.
Dos tantos que entram apressados pela porta de segurança, dois param e, com um trocado na mão, dividem a própria miséria com o homem que chora de fome e mastiga o seu desejo sem dentes. Outros passam reto, nem olham, são Deuses e não sabem o que fazem. Completam a lógica sócio-econômica que devora a todos, deixando alguns com uns contos a mais, outros com os trocados de todos, mas todos sem dignidade nenhuma.
Dou-lhe o que tenho. Também eu partilho com ele a minha miséria. Algum dinheiro é o nome da minha pobreza. O banco autorizado juridicamente a roubar de todos, impera intacto como o templo onde rezamos a cada dia para a única deidade realmente respeitada em nossa época: a deusa com corpo de abutre e duas cabeças, a da usura e da avareza.
O banco é a Ave-mãe cujo filho é o mendigo. Suas asas feitas da mais poderosa pobreza espiritual crescem a olhos vistos. Ela se alimenta como um parasita da pobreza material na boca do mendigo e se torna assim cada vez mais forte voando sobre todos nós, espargindo sobre todos nós a sua culpa, transformando todos nós em mendigos aos quais só resta a partilha da miséria e do desespero. Realizado está o desejo do capital.