Por conta própria
Dandara Fereira em seu apartamento, na zona oeste de São Paulo (Foto: Marcus Steinmeyer)
Dandara Ferreira lança série documental sobre Gal Costa enquanto busca construir uma carreira longe da sombra do pai, o ex-ministro da Cultura Juca Ferreira
Dandara Ferreira dirigiu um documentário sobre “a única pessoa capaz de deixá-la nervosa”. Em seu primeiro grande projeto atrás das câmeras, a soteropolitana realocada em São Paulo decidiu mergulhar fundo na carreira de Gal Costa no período em que a cantora completava cinco décadas de palco e setenta anos de vida. O momento era oportuno tanto para preencher uma lacuna cinematográfica, quanto para fazer deslanchar uma ideia que há pelo menos três anos só tinha lugar no papel.
“Existe muito material gravado da Bethânia, do Gil e do Caetano, mas, conversando com um amigo, eu percebi que não havia muita coisa especificamente sobre a Gal, com entrevistas e análises. E tinha que ter, porque ela é um grande nome aqui dentro e lá fora também”, diz a diretora à reportagem da CULT em seu apartamento, na zona oeste de São Paulo. A única produção que se propôs a recontar a trajetória da cantora não apenas como coadjuvante de Caetano e Gil foi Gal: do Tropicalismo aos dias de hoje, dirigida por Carlos Ebert e Marcello Bartz, e exibida em 2006 pelo canal a cabo DirectTV.
Dos rascunhos iniciais, o projeto acabou crescendo e se transformou em uma série documental de quatro episódios, O nome dela é Gal, que estreia neste domingo (11), na HBO. “A Gal sempre esteve presente na minha casa, meu pai ouvia muito a música ‘Hotel das estrelas’, que foi bem marcante na minha infância. Na adolescência, eu ouvia MPB e ia atrás de discos antigos. Gostava da Gal esteticamente: mulher forte, bocão sensual, roupas incríveis.”
Durante os meses de filmagem que se sucederam entre setembro de 2015 e fevereiro de 2016, Dandara se viu oscilar entre a diretora objetiva e a fã apaixonada. “Quando ficávamos sozinhas no privado era sempre difícil porque sou muito fã, e eu cheguei a dizer isso para ela. Hoje, pela convivência e talvez por ter passado tanto tempo estudando tanta coisa sobre a Gal, talvez eu me sinta um pouco mais íntima do que eu realmente sou”, brinca.
Na série aparecem Gilberto Gil, Caetano Veloso, Tom Zé, Djavan, Luiz Melodia, mas há também Criolo, Mallu Magalhães e Lirinha como representantes de uma nova geração que dialoga musicalmente com a cantora – os três têm composições interpretadas por ela em Estratosférica, seu 36º disco de estúdio lançado em maio de 2015. Os primeiros encontros com Caetano e Gil, a fase tropicalista, o disco -Fa-Tal-, a volta à experimentação com Recanto, tudo está ali, reconstituído até o ponto em que a personagem se deixa retratar.
“Ela é uma pessoa superfechada, que não gosta de expor a vida privada. Eu queria ter entrado muito mais no universo dela, ter tido acesso a fotos [pessoais]. Ao mesmo tempo que ela queria, colocava um limite até onde podíamos ir. A casa dela, por exemplo, é um lugar que ela não deixa filmar nem fotografar”, conta. O único momento mais pessoal da série, segundo Dandara, é quando o filho, Gabriel, dá entrevista.
Conterrânea
Como Gal, Dandara nasceu em Salvador, mas mora em São Paulo. Entre os seis e os treze anos de idade, viveu entre Florianópolis e Salvador até que, aos quatorze, mudou-se definitivamente para a capital paulista. Hoje, aos 30, afirma não saber se São Paulo é de fato “o seu lugar”. É na Bahia que se sente em casa.
Dandara é filha do sociólogo Juca Ferreira, ex-ministro da Cultura. Ela fala do pai com admiração ao mesmo tempo que tenta se desvencilhar da imagem dele. “No geral, eu adoro ser filha do meu pai. O que me incomoda um pouco é que às vezes eu viro só a filha do Juca e há outras coisas interessantes sobre mim, eu não sou só isso”, diz. Em São Paulo, contudo, ela afirma ter conquistado o seu próprio espaço. Tanto que quando Juca se tornou secretário da Cultura na gestão de Fernando Haddad era reconhecido por alguns como “o pai da Dandara”. “Eu dizia: aqui você está chegando no meu lugar”, conta ela, rindo.
Por ser filha de seu pai, Dandara cresceu recebendo em casa visitas ilustres como Gilberto Gil, Margareth Menezes e Fernando Gabeira. Só que para ela, naquele período, de ilustres elas não tinham muita coisa. “Uma vez o Gil ligou em casa numa época em que eu estava estudando a letra de ‘Parabolicamará’ na escola. Mas para mim ele não era o Gil [famoso], era o amigo do meu pai, aquele cara que estava sempre ali. Depois é que você vai entendendo”, diz. “Me sinto privilegiada de poder conviver com essas pessoas e aprender com elas tanta coisa incrível.”
Formada em Cinema pela FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado), Dandara já havia dirigido videoclipes de Vanessa da Mata, Fagner e do grupo carioca de funk Dream Team do Passinho. De certa forma, a música sempre influenciou seus projetos – seu primeiro curta foi baseado na letra de “Luzia Luluza”, de Gilberto Gil –, mas a série sobre Gal Costa talvez seja o último que caminhe nessa direção, ao menos por um tempo. Depois de ter presenciado de perto o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, de cujo governo seu pai fazia parte, a documentarista quer dar um tom mais político às suas futuras produções.
“Eu lembro que no dia da votação final do Senado eu chorava porque eu estava ali acompanhando cada dia. Era difícil acreditar que ela seria mesmo afastada”, diz Dandara, que viajou a Brasília durante o processo de impedimento para trabalhar no documentário sobre os últimos momentos de Dilma no Palácio do Planalto, fruto de uma parceria entre Anna Muylaert, Lô Politi e César Charlone. “Ao mesmo tempo que eu estava trabalhando, encontrava meu pai no Senado e as duas coisas se misturavam. Era um projeto de governo do qual ele fez parte e que a gente sabia que iria por água abaixo junto com anos de dedicação.”
Em 2016, Dandara ajudou a escrever o texto que se tornou o “Manifesto do Cinema e do Audiovisual pela Democracia”, endossado por cineastas, atores e produtores que se posicionavam abertamente contra o impeachment. Entre os nomes que assinaram o documento estavam, por exemplo, Letícia Sabatella, Tata Amaral, Gregório Duvivier, Jorge Furtado e Laís Bodanzky. Na imprensa, os nomes a que as notícias se referiam primeiro eram os de Dandara e de Luiz Carlos Barreto, produtor do filme Lula, o filho do Brasil. “Se Dandara é alguma coisa além de filha de seu pai, ignoro. Consta que é cineasta. Foi ela que dirigiu aquele filme, o… O…. Como é mesmo?”, escreveu Reinaldo Azevedo em sua coluna no site da revista Veja.
“Eu ajudei a escrever, mas o Barreto só assinou. Foi para tirar a legitimidade do negócio, como se fosse algo partidário, mas não era”, afirma. “Tinha pessoas escrevendo comigo que nem sabiam que eu era filha do meu pai e que já me conheciam há muito tempo. Eu sofri. A raiva que as pessoas têm na internet é algo horrível.”
Quase um ano depois do episódio, com o cenário político de ponta-cabeça e a série prestes a estrear na televisão, Dandara começa a rascunhar ideias para novos projetos. Um deles, um argumento para um longa que se passa no período Collor, é baseado em uma história da própria infância em Salvador, quando aos cinco anos, possivelmente influenciada pelo pai, gostava de fazer discursos políticos na janela de casa. “Não acho que 2017 será fácil, ainda mais para a cultura que depende de incentivo do Estado. A gente vai ter que se reinventar.”
(1) Comentário
Dandara, parabéns pelo papel que vc exerce na cultura brasileira… Eu moro em B. Horizonte, nasci em Cordisburgo (terra do nosso grande Guimarães Rosa) e também sou escritor e gostaria de enviar para a sua avaliação alguns textos de minha autoria. (Elisson- cel. 31 99374-8423