Da ponte pra cá | Elton Galdino
Eu nasci em Belém (PA). Passei meus primeiros anos no Nordeste, entre Ceará e Piauí (estados do meu pai e de minha mãe, respectivamente). Voltei pra Belém com uns 10 anos e morei muitos anos numa ocupação num bairro chamado Tapanã (do Guar.: estúpido, bobo).
O artista que fala é Elton Galdino. O trabalho de Elton me foi apresentado pela escritora e artista visual paraense Monique Malcher. Segundo Malcher, Elton “é um quadrinista do Tapanã, periferia de Belém, que acabou de organizar a Zagaia – a primeira coletânea de quadrinhos afro amazônidas. Ele conseguiu reunir um monte de artista fodas das quebradas e interiores.” E o que vem à mente de Galdino quando ele pensa no Tapanã?
“Quando eu penso no Tapanã, penso no rio que liga meu bairro aos bairros próximos, sitiado, murado, enquadrado como posse de empresas de pesca, madeireiras, transportadoras… Penso no lixão aqui do lado de casa, nos urubus (cês não têm NOÇÃO do quanto de urubu tem em Belém, tem uma cidade aqui perto que o povo cria como cachorro), no aglomerado de moradias precárias em vários pontos do bairro, na ponte sobre o igarapé que era caminho pra minha escola e agora foi soterrado pra dá lugar a esse monte de casas… Penso muito no ônibus lotado e fedendo/cheirando a peixe/cheiro verde, entre 6 e 8h da manhã. E penso no mesmo ônibus, voltando, à noite, trazendo não as pessoas, mas o bagaço delas.”
As ilustrações de Elton que fazem companhia para suas respostas neste artigo vêm da exposição “miro lo que pasa”, que reuniu desenhos que Elton fez “in loco em várias situações diferentes aqui em Belém e em Ananindeua (cidade vizinha)”. Não para aí, o artista visual também trampa na HQ “Igarapé das Almas”.
E que outros artistas de sua quebrada Elton destaca?
Preto Michel: Poeta, escritor e educador preto daqui do Tapanã. O Preto é o tipo de artivista que não dissocia vivência e fazer artístico. Tem um trabalho muito ligado ao local e às pessoas que lhe cercam. Na pandemia, por exemplo, ele tava fazendo promoções dos livros dele pra poder comprar cesta básica e distribuir pro pessoal da comunidade.
E quem mais, Elton?
Zelia Amador de Deus: é uma artista, ativista, professora e pesquisadora preta que influencia gerações de artistas e pesquisadores locais, das mais diversas áreas, como cultura, artes visuai, teatro, literatura, educação, direitos humanos, etc. Tem a Thays Chaves (@n.a.z.a.s), uma artista visual nascida e crescida na cidade de Ourém, no interior do Pará. Ela é estudante de Artes Visuais na Universidade Federal do Pará. Se considera artista multimídia por se deslocar entre varias possibilidades de produzir arte e acredita na arte como força de emancipação e educação. Já participou de diversas rodas de conversas, exposições, e eventos culturais na Capital Paraense. Tem o Wellington Romário, é Byxa do Mato, vive e trabalha a partir de Belém (PA). Seu trabalho de artista e de pesquisador se funda na perspectiva anti-colonial, desenvolvendo proposições nas áreas da literatura, artes visuais, moda e historia da região amazônica. É bacharel em artes visuais pela UFPA, curador e criador do Muzeu da Encruzylhada, membro fundador do Qualquer Quoletivo que desde 2009 desenvolve trabalhos de artes em diversas linguagens documentando uma certa Amazônia complexa e principalmente num recorte urbano, pode ser achado no Instagram em @w.romario. E a Luana Peixe (@luuu.peixe), mestranda no programa de pós-graduação em artes da UFPA, pesquisa artistas afrodescendentes na Amazônia. Artista premiada com o projeto “Mistérios de Yuáca” no Prêmio de Experimentação, Pesquisa e Difusão Artística 2016, da Fundação Cultural do Pará (FCP).
Organizador, artista, quadrinista: Elton é apenas a ponta deste iceberg de artistas afroamazônidas que Belém choca, reafirmando que a capital do Pará é um dos lugares mais efervescentes do nosso país hoje.