Da Ponte pra Cá: Leandro Porko

Da Ponte pra Cá: Leandro Porko

 

O Pará é um estado gigante com uma cultura efervescente e plural que vai da poesia guerrilheira do finado Paulo Fonteles às colagens de Monique Malcher, passando pelos quadrinhos afroamazônidas de Elton Gomes, a literatura de Daniel Mundurku, os cantos de Dona Onetti e as festas de aparelhagem que pariram diversos ídolos populares. 

É também celeiro de dezenas de artistas punks, desde a clássica banda Delinquentes, do anti-herói Jayme Catarro à fúria da Klitores Kaos. Nesta cena subterrânea e subversiva, que se desenrola, muitas vezes, nos bairros periféricos do estado, destaca-se o grande Leandro Porko, poeta e vocalista da Baixo Calão, banda que vem ganhando reconhecimento internacional, tendo se apresentando, inclusive, em festivais europeus.

Bebendo da fonte de Augusto dos Anjos e Friedrich Nietzsche, Leandro usa termos científicos e acadêmicos em seus poemas-canções furiosos que datilografa, movido aos goles de cachaça tatuzinho, em uma velha máquina de escrever Royal, de 1939. É interessante que além da força das suas palavras parnaso-punks, há o contraste, no caso dos poemas que ganham melodias, entre os arranjos agressivos do grindcore mais contemporâneo com uma lírica que lembra, também, os poetas mal do século de duzentos anos atrás. Como se Baudelaire fizesse uma parceria com o Napalm Death.

Leandro Porko, vocalista do Baixo Calão e poeta

Como de praxe nesta série “Da ponte pra cá”, começo pedindo para Porko falar sobre as primeiras imagens que lhe vem à cabeça quando pensa no bairro onde se criou:

Fui criado em um bairro onde predominava a rivalidade entre gangues. E quando um vizinho conseguia ter um carro velho era o suficiente para ele se sentir ‘elite’. 

Sobre as imagens que me vem à mente são espécies de imagens elo entre passado e presente, porque lembro que era comum ver ‘papudinhos’ (desempregados alcoólatras)  perambulando pela feira em nas portas dos pequenos comércios, lugar onde não havia mais que uma igreja evangélica; hoje o que se vê (e se sente) é o temor de ser assaltado, onde igrejas são erguidas da noite para o dia!”

Passadas duas semanas de nossa troca por WhatsApp recebo, via Correios, uma carta de Leandro vinda do bairro Coqueiro. Nela,  há um poema datilografado na octagenária Royal. Me lembro do tempo em que eu mandava e recebia fanzines pelos Correios.

Poema de Leandro Porko
Poema de Leandro Porko

Quero saber que outros artistas de Belém Porko admira e indica. Sigo assim criando um mapa artístico e sentimental das quebradas do nosso país:

Um grande artista de uma outra quebrada é  João Paulo Pereira, mais conhecido como Faísca , cujo Instagram é @barroaceso. Um artista que trabalha com argila, criando esculturas que transpiram inegável esmero!

Como nos diz Faísca: ‘Esculpir me ensina de diversas formas sobre mim, minhas fases emocionais, mentais, e muito do que enxergo nas inspirações da espiritualidade. Além disso, vivo o grande dilema dos artistas desvalorizados da nossa região, preciso transformar o que faço em um produto pra sobreviver nesse caos todo. Isso às vezes desmotiva, mas penso que a arte é uma faca muito afiada da própria criação, é também, uma ferramenta de transformação social que pode mudar a realidade das pessoas, se não financeira (risos), no conhecimento de si através do manuseio da argila’.

Pois, então, meu amigo poeta Leandro Porko transubstanciou-se em jornalista garimpando depoimentos de artistas paraenses que o mundo precisa conhecer? Leandro não para:

Outra artista, da qual possui semelhante esmero & valor sentimental, chama-se Nataly Carvalho (@ateliesaiotedepano), que se dedica a costurar roupas/ vestimentas que são usadas em festejos ou cerimônias de religião de matriz afro. Considero uma arte em cada peça produzida porque a dedicação ali alça voo para além do estético da produção em série via industrial cultural, isto é, cada peça por ser única traz consigo o peso da intenção/intuito e consciência no que se refere à Resistência. Como observa Nataly:

‘Cada peça produzida é uma grande responsabilidade não só de quem a produziu, mas principalmente daquele que vestirá tais roupas, pois, as vestimentas representam a ancestralidade, hierarquia, e traz consigo toda uma história que de alguma forma estou fazendo parte; e eu, como uma mulher afrodescendente e da religião de matriz africana, fico extremamente grata vendo meus irmãos de Axé vestindo seus corpos com o meu trabalho! Dessa forma, sei que também estou contribuindo para o prolongamento e/ou resistência desta religião, e  fazendo parte do Axé de cada pessoa que veste a minha arte!’

Fim do depoimento de Nataly, fiquemos com a poesia de Leandro Porko.

Dois poemas de Leandro Porko

Das Choldras

Uma lágrima
prenhe de esgotamento,
divagações e conflitos,
pulsão res cogitans tardio,
lapso,
interstício de sentido
e brio!

No silêncio dessa lágrima
o Não tem o que dizer
assim, Faz Tempo…
desse tempo
que tem sido cosido
sob ponto de vista qualitativo,
uma eclosão bem-aventurada
de superfície & Profundidade
tampouco mais prementes
– pleitear, e compelido!
… avolumar-se!
Canções ao Longe puindo…
Com a mesmíssima força/ímpeto
de um vômito, aquela sensação atra
persegue,
como se ilustra
Alma à cova entregue!

Tímidos soluços doloridos,
perambulações turvas,
lástimas nunca proferidas
-trépano subsumir  às favas!
… Portal místico das Lágrimas!
Mormente, indo ser bandeja ziguezagueando
e, atuando, atuante cordão umbilical
feito em forca;
ampliar o espectro – futuro!

Sim, até que a lágrima seque,
rumina-se o equivalente
às estatísticas sobre:
Desaparecidos, Violência e Morte!
Porque às vezes o Choro
reforção o Não Abdicar-se
à descoberta do fósforo!

Sem jamais imaginar
(por Petulância ou Não)
a possibilidade de um dia ter seu caixão
atirado em pé numa cova larga
escavada às pressas
(no intuito de ocupar menos terreno
para dessa forma abrir mais valas comuns)
e assim encerrar-se a outros na mesma condição
– num histórico-social nó borromeano -;
nada é tão cômodo e… Proveitoso
que confiar plenamente
conforme agasalhar-se d’eus,
feito vacinas contra pestes,
injustiças e ameaças contra o patrimônio erguido,
redimir pecados,
manter chofer & limousine,
afastar agouros e Infortúnios da abençoada prole.
De modo que, Incólume
por estar agasalhado em manto sufrágio,
seguir sagradamente praticando rapinagens
Por entre preces
ter Seus pedidos, fúteis, atendidos
à salvaguardar seus Eu’s
refulgentes
-dignos de quem venceu na vida!

Por conseguinte,
para quem que na alma sabe
que as Lágrimas
também são releituras mais aprofundadas
de narrativas de pessoas enterradas
como indigentes
numa ensolarada manhã de segunda-feira;
reconhece-se à distância
(mediante empatia e/ou sensaboria)
naqueles que vivem Mortos
-vagando entre diástoles dos semestres lássidos!

Oxímoros

A linha do horizonte:
É a navalha no pescoço.
O Luto
Por ter nascido
É escuridão
até que os olhos se adaptem.

Meus pêsames
são suicidas
…entre foliões.

Todas as vitórias
Somente adesivos dos Outros.
Os erros cometidos
A rubrica lapidada.

Todos os sonhos:
Abortos involuntários
Todas as quedas:
um fôlego prolongado.

As tragédias
vezam gerundiar.

Meus pêsames
são suicidas
…entre foliões.

Todos os goles
Aos ritos de necromancia
Todas as Hellssacas:
Uma ponte safena.

Perceber-se como abismo:
obscura Vontade de Potência!
Todas as tentativas:
Escuridão ancorada!

Covas do Tempo:
Existir…
En passant!

Letra Leandro Porko
Música: Danilo Leitão/William Gomes

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