Custos e história de uma doença

Custos e história de uma doença

Táki Cordás

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) baseados em trabalhos realizados na Europa, nas Américas, na África, no sudoeste da Ásia e na Oceania apontam a depressão como responsável por 12% de todo o período de inatividade no trabalho registrado no mundo. A mesma OMS estimou, no mês passado, que em 2030 a depressão será a mais comum entre as doenças humanas.
Estudos recentes estimam que a frequência de depressão seja em torno de 16% a 18%, independentemente do país ou das características sociais. Já outros estudos epidemiológicos em diferentes países e culturas mostram que a depressão é mais frequente no sexo feminino na proporção de duas a três mulheres para cada homem, fato mais relacionado a fatores genéticos e hormonais do que ao papel social, como se poderia pensar mais apressadamente. A depressão é uma doença de adultos jovens e, embora possa começar na adolescência ou na terceira idade, tem início mais frequentemente entre a terceira e a quinta década de vida.

Custos

Os custos de uma doença permitem fazer uma estimativa do valor total alocado pela sociedade para os cuidados com ela. No caso da depressão, os custos podem ser divididos em diretos (tratamentos médicos e não médicos), indiretos (incapacidade profissional, morte) e intangíveis (deterioração da qualidade de vida pessoal e familiar). À guisa de exemplo, vale citar que o custo total com a depressão no Reino Unido é maior do que com a hipertensão e o diabetes juntos, uma quantia próxima a 10 bilhões de libras, no ano de 2000.

Nos EUA, em 1990, o custo total anual com a depressão foi de 44 bilhões de dólares; desses, 24 bilhões de dólares (55%) representam custos indiretos (não associados diretamente aos gastos com o tratamento da doença) pela perda de produtividade, em função do maior número de faltas ao trabalho, e pelo prejuízo na qualidade profissional. Especificamente em relação ao número de faltas ao trabalho, ao longo de um período de 30 dias, entre pacientes deprimidos, esse chega a ser cerca de duas vezes maior do que entre aqueles sem depressão, acarretando perdas salariais mensais entre 182 e 395 dólares. Nesses países, a cada ano, de 10% a 15% dos pacientes com depressão grave cometem suicídio.
Apesar dessa enorme importância das doenças psiquiátricas, e da depressão em particular, somente 1/3 dos indivíduos deprimidos procura tratamento, em geral com psicólogos, clínicos gerais, ginecologistas ou outros especialistas não psiquiatras. Embora esses profissionais possam, por vezes, manejar quadros depressivos leves e moderados, quadros mais graves necessitam de atendimento especializado para o adequado manejo farmacológico. Uma pesquisa realizada entre a população norte-americana no início dos anos 1990 sobre a percepção pública da causa de um problema psiquiátrico revelava um preconceito assustador:
•    71% dos entrevistados julgavam que o quadro psiquiátrico era causado por fraqueza emocional;
•    65%, por problemas na criação (dos pais);
•    45% pensavam que essas pessoas deveriam reagir ao seu mal-estar;
•    43% achavam que um quadro psiquiátrico era incurável;
•    35% acreditavam que era resultado de alguma culpa ou pecado;
•    apenas 10% julgavam que havia uma base biológica envolvendo o cérebro.

“Não há nada novo sob o sol, mas há muitas coisas velhas que não conhecemos”
Essa citação, modificada do Eclesiastes por Ambrose Bierce, nos serve para salientar que, apesar da difundida ideia de que a depressão (assim como outros quadros psiquiátricos como os transtornos alimentares) seja um fenômeno da modernidade, o quadro clínico já aparece descrito na Bíblia e nas histórias mitológicas da Antiguidade.
A depressão já era descrita entre os gregos caracterizada por um medo intenso e depressão persistente. Nas palavras de Hipócrates, estão presentes “a aversão à comida, falta de ânimo, insônia, irritabilidade e inquietação”. E finaliza: “Se o medo e a tristeza duram muito tempo, tal estado é próprio da melancolia”. A bílis negra, µe?a??a???? (melaina chole), um dos quatro humores fundamentais, seria o fator fundamental para o surgimento da melancolia afetando o cérebro. Embora essa fosse uma teoria bastante primitiva, trazia a ideia, revolucionária para o século V a.C., de que as doenças se deviam a causas naturais, isto é, orgânicas. Com o início da medicina científica, o sobrenatural começa a sair de cena, a doença passa a ser vista como algo somático, a medicina inicia sua separação da filosofia e o cérebro define-se como o centro das emoções humanas.
Areteu da Capadócia, médico grego e filósofo do século II, genial observador clínico que, entre outros quadros, descreveu o diabetes e a enxaqueca, escreve no capítulo V de seu livro Sobre as Causas e Sintomas das Doenças Crônicas,: “O melancólico se isola, teme ser perseguido e aprisionado, atormenta-se com ideias supersticiosas, odeia a vida (…) está sempre aterrorizado e mistura suas fantasias com a realidade (…) queixa-se de doenças imaginárias, amaldiçoa a vida e deseja a morte”. Além dessa minuciosa descrição, faz a primeira e fundamental diferenciação entre a melancolia doença do corpo e uma “reação depressiva”, psicologicamente determinada por uma causa emocional.

Depressão não é tristeza

Dada a exiguidade do espaço, interrompo a questão histórica para me ater a esta diferença essencial: depressão é diferente de tristeza. Aspecto fundamental e infelizmente às vezes de difícil entendimento por parte do não especialista é a diferença entre o normal e o patológico, entre a tristeza, contingência de situações vivenciais, e a depressão como doença.
Embora na linguagem coloquial se utilize o termo depressão para designar coisas tão distintas quanto a nossa reação por perdas ou por desejos e projetos não concluídos satisfatoriamente, esse termo não deve ser confundido com o luto ou a tristeza, emoções humanas normais, por mais desagradáveis e indesejadas que sejam. Na depressão, ao contrário da tristeza normal, o humor depressivo é autônomo e, embora possa ser desencadeado por evento externo, muda muito pouco com tentativas de distraimento ou mudanças de ambiente. Não se medica tristeza, nem se transforma a vivência humana normal em objeto de tratamento. A própria pessoa que sofreu uma vez de um episódio depressivo identifica a qualidade diferente da experiência emocional, compara-a com uma perda pessoal ou familiar e afirma que a sensação é completamente diferente, não apenas em intensidade.
O sintoma clínico fundamental da depressão não é a experiência da tristeza, mas uma sensação descrita pelos médicos como de anedonia (a: negação, hedonia: prazer), ou seja, uma sensação de perda de prazer ou sentimento por todas as coisas, como se a cor sumisse e tudo passasse a ser preto e branco. Fadiga incompatível com a atividade exercida, sensação de perda de energia, sentimentos de desvalorização pessoal, medo inexplicável e sem objeto, diminuição da capacidade de concentração, insônia e/ou sonolência diurna excessiva são alguns dos sintomas presentes associados (ver no quadro as principais diferenças entre depressão e tristeza).

Tratamento

Isso nos coloca as seguintes questões: por que certos indivíduos apresentam uma chance aumentada de desenvolver um episódio de depressão após situações pessoais desfavoráveis e ventos vitais traumáticos, e outros não? Por que algumas pessoas, e não todas, desenvolvem um quadro depressivo após fatores de risco como violência, dificuldades financeiras e sociais graves, rupturas, morte familiar, doenças pessoais ou familiares?
Aqui se introduz o conceito de resiliência, adotado da física, que se refere à capacidade individual de superação de estresse e adversidades. As últimas décadas têm destacado por meio de sofisticados estudos genéticos uma série de informações relacionadas a uma predisposição genética que levaria a uma vulnerabilidade maior para o desenvolvimento da depressão. O melhor conhecimento das alterações dos neurotransmissores essenciais para a pesquisa e o tratamento não afasta a necessidade de entendimento dos fatores sociais, de personalidade, familiares e vivenciais no desencadeamento do quadro.
Por fim, de maneira sumaríssima, enumeramos algumas das necessidades clínicas prementes para o tratamento adequado dos quadros depressivos: combater o estigma de modo que a procura por assistência médica seja rápida e possibilite o diagnóstico de maneira precoce; implantar a modalidade de tratamento medicamentoso mais eficaz e com menos efeitos colaterais para o combate da fase aguda; estabelecer o melhor tratamento medicamentoso associado a psicoterapia para evitar futuras recaídas.

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