A necessária criminalização da LGBTfobia pelo STF: uma causa inadiável

A necessária criminalização da LGBTfobia pelo STF: uma causa inadiável
23º Parada do Orgulho LGBTI na Praia de Copabacana, no Rio de Janeiro, em 2018 (Foto: Ricardo Moraes/Reuters)

 

O Brasil é comumente representado como um país que não apenas tolera, mas proclama e até mesmo valoriza as suas diversidades. Prevalece, no senso comum, a narrativa autocomplacente de uma nação paradisíaca construída a partir das misturas e das diferenças. Ainda que as dimensões mais conhecidas dessa representação generosa estejam presentes nos estudos sobre cultura e raça, algo muito semelhante se passa nos campos do gênero e da sexualidade.

Prova disso é que nos vemos como um povo avesso a distâncias. Carnavalizamos nossos desejos e identidades. Mulheres se vestem de homens e homens se fantasiam de mulheres. Todos e todas, desinibidos e irreverentes, flertamos e sensualizamos. Temos uma relação permissiva com nossos corpos e sexualidades. Afinal, aqui do lado de baixo da linha do Equador, não haveria pudor ou pecado. Tanto é assim que realizamos, anualmente, não só o mais famoso carnaval, mas também a maior Parada do Orgulho LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) do mundo, na cidade de São Paulo.

No entanto, essa verdadeira “ideologia de gênero” esconde o essencial: apenas em 2018, contabilizou-se o assassinato de 420 pessoas LGBTs por crimes de ódio, ou seja, um caso a cada vinte horas. Essas cifras, que são compiladas pelo Grupo Gay da Bahia há 38 anos e que nos colocam no topo dos rankings internacionais de países que mais matam LGBTs, são certamente subestimadas. Isso porque o Brasil não conta, até hoje, com um sistema oficial e estatal de denúncia, apuração e monitoramento dessa violência, dentre outras razões, pela falta de um tipo legal específico que criminalize essa forma de discriminação.

Vale frisar que esses números não são apenas uma infeliz decorrência do alto número geral de homicídios no Brasil. Estamos falando de assassinatos motivados por crimes de ódio, por intolerância, por preconceito. São mortes violentas sempre acompanhadas por sentenças condenatórias implacáveis como “viado tem que morrer”, “sapatão não devia existir”, “travesti não merece respeito”, ou seja, com claro recorte LGBTfóbico.

Mas essa história de violências e de impunidades pode começar a ser mudada. Amanhã, no dia 13 de junho, o STF vai retomar o julgamento sobre a criminalização da LGBTfobia. As duas ações judiciais pautadas (ADO 26 e MI 4733) requerem que a Suprema Corte reconheça o dever constitucional de proteção das minorias sexuais, declarando a mora injustificada do Congresso em criminalizar a LGBTfobia. E, enquanto o Legislativo não exerce seu dever, pede-se que a Corte interprete que a LGBTfobia encontra-se também abrangida pelo conceito político-social de racismo, entendido como a inferiorização de um grupo social relativamente a outro e que já foi adotado pelo STF no conhecido caso Ellwanger (HC 82.424/RS).

Seis votos já foram proferidos favoravelmente a essas ações. Já há uma maioria da Corte favorável à criminalização, mas tem-se notado uma enorme pressão conservadora para que o presidente do STF adie novamente o julgamento ou mesmo que algum dos ministros peça vista e retire o processo da pauta.

Em um momento no qual cultura e educação são alvos de uma cruzada moral, as políticas públicas do Executivo tornam-se reféns de um governo conservador e o Legislativo encontra-se controlado por uma bancada religiosa fundamentalista, é dever do STF atuar contramajoritariamente na promoção dos direitos fundamentais e na concretização do texto constitucional.

Espera-se que a Suprema Corte, assim como já o fez em relação à união homoafetiva em 2011 e aos direitos das pessoas trans em 2018, dê mais um passo fundamental na tarefa de garantir a cidadania LGBT no Brasil. Só assim essa narrativa de um país tolerante e diverso pode vir, um dia, a se tornar uma realidade.

RENAN QUINALHA é doutor em Relações Internacionais, professor da Unifesp, co-organizador do livro ‘História do movimento LGBT no Brasil’ (Alameda)

Leia a coluna de Renan Quinalha no site da CULT

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