Contos sobre uma sociedade disfuncional: “Do amor e de outras tristezas”, de Rodrigo Novaes, e outros lançamentos

Contos sobre uma sociedade disfuncional: “Do amor e de outras tristezas”, de Rodrigo Novaes, e outros lançamentos

 

O escritor e editor carioca Rodrigo Novaes de Almeida tem se dividido entre a poesia e o conto, com o qual foi finalista do Prêmio Jabuti em 2019. Agora, Almeida retorna ao gênero em Do amor e de outras tristezas: histórias de violência e morte (Urutau) com a mesma linguagem pungente que lhe é característica.

A violência é a grande protagonista dessas narrativas, fruto de uma sociedade doentia e perversa em todos os sentidos.

Em “A necromante, os lobos e as ovelhas”, um dos contos mais impactantes do livro, uma vidente descreve a cena de um crime brutal, na qual mãe e filhos menores são violentados e mortos. O porquê dessa fúria irracional é uma incógnita; pode-se pensar que se trata de vingança, acompanhada, contudo, de um prazer sádico e imediato: “Duas horas de terror, disse a velha necromante. Tempo demais. Salve-me Maria Santíssima! Salva-me dos meus pesadelos e leva mãe e filhos com você! Faça-os esquecer!”. A necromante é, de certa forma, cada um de nós que acompanha essas e outras brutalidades na televisão, nos jornais, nas mídias sociais. A diferença entre ela e nós é que a bruxa se coloca no lugar do outro ou enxerga “através de outros olhos”, olhos que não são “os seus, que nunca foram, que nunca seriam os seus”.

Em “Feminicídio”, o marido, para construir uma narrativa que justifique a “defesa da honra, sabe?”, descreve a mulher como “safada” e “vagabunda” e se assume como vítima de um engodo, uma traição, pois acreditou que a companheira fosse uma “mãe exemplar”, uma “esposa recatada, rainha desse nosso lar”.

Nessa sociedade disfuncional descrita por Almeida, a milícia não poderia ficar de fora: são ex-policiais, ex-sargentos, alguns expulsos da corporação, que passam a ganhar a vida cometendo crimes (justamente aqueles que deveriam ter ajudado a combater) com a munição e o aprendizado que adquiriram nos anos de serviços prestados à polícia, ao exército etc.

Esses contos trazem à tona ainda uma variedade de excluídos, que vai desde a filha, apartada da família, até a prostituta, cuja história ela sonhava em transformar em livro.

Algumas das personagens até se esforçam para se reintegrar à sociedade, à família, mas todas as tentativas resultam em grandes fracassos, outro importante elemento dessas tramas.

No conto que abre o livro, “Todos os infernos do mundo”, a filha retorna à família e à sua cidade natal, ou mais especificamente ao cemitério, onde seus pais estão enterrados: “Voltei a essa cidadezinha, ao útero morto dessa família, e perdi o enterro da minha mãe”. Uma viagem em vão, uma atitude tardia, em que não há retorno possível.

Em “O ex-pugilista”, a personagem, outrora envolvida em esquemas ilegais do boxe que garantiam vitórias aos nomes do momento, tenta retomar as atividades no esporte longe das contravenções, mas, como outros personagens dos contos de Almeida, não há para ele outra possibilidade senão a derrota.

No conto intitulado “Cartas para vovó”, a menina é separada da avó, dos amigos, das raízes. “Adotada” por uma família que nunca a acolheu, aos poucos perde também sua liberdade e infância: “As crianças são pequenas, o mais velho tem sete anos e o caçula, cinco. Eles gostam de mim, mas eu não posso brincar com eles […]. Saí apenas uma vez nesses meses que aqui estou para ajudar a senhora Márcia a levar as crianças no shopping”. A garotinha também tenta retornar para casa escrevendo uma carta para a avó, a qual certamente nunca chegará: “Precisava arrumar um jeito de colocar a carta nos Correios. Lembrou-se que faltara algo. Pegou novamente o envelope e a caneta e escreveu: ‘Para a vovó Lurdes, na fazenda do senhor Vieira’”.

Os contos de Almeida expõem uma faceta perversa da sociedade brasileira: os mais privilegiados, os que detêm o poder, enxergam os excluídos apenas como instrumentos para garantir seus prazeres e seus interesses; portanto, é preciso que os excluídos se mantenham onde estão.

Em “Breve trilogia das enfermidades”, Almeida destaca mais um tipo de excluído: o doente. Nesse breve relato autobiográfico, o escritor conta como se viu separado do convívio social pela pandemia e pelo tratamento de um câncer. A vida havia perdido sua ordem natural, mas como ele mesmo lembra, “havia muito tempo que não vivíamos em ordem natural de coisa alguma”.

 

Dirce Waltrick do Amarante é autora, entre outros, de Ascensão: contos dramáticos e Cem encontros Ilustrados.


por Redação

Estreia da autora na ficção, os contos de Poeira é chão que ninguém pisa trazem narrativas coladas ao banal da vida que, em sua miudeza, revelam questões e conflitos profundos das personagens. Entre cenas rurais e o caótico urbano, os contos são atravessados pela questão do meio: uma personagem que se desdobra em duas; a vila que fica no meio de duas montanhas; a ambiguidade dos sentimentos. O fantástico também atravessa as narrativas: seja pelo olhar encantado da criança, na obsessão de uma mulher pela figura de um touro ou mesmo pela transmutação de um homem em árvore, como em um dos contos finais do volume.

Originalmente publicado na Espanha em 2010, o livro mistura realidade e ficção para narrar a infância e o amadurecimento da pintora mexicana Frida Kahlo. Os principais acontecimentos desse período de sua vida são retratados: a formação durante a Revolução Mexicana; a vivência na Casa Azul, onde morou com a família, no distrito de Coyoacán, na Cidade do México; as diferenças com a mãe e as irmãs; o ingresso na escola; o fatal acidente de ônibus. É um retrato do mundo que inspirou Frida Kahlo e foi retratado ao longo de sua produção artística.

Os animais e os insetos participam desse livro para explorar os atos humanos e sua carga de animalidade. Como esclarece o autor, não se trata de uma analogia, mas de uma incorporação da bestialidade à vida humana: “falar do homem pela presença do que ele conserva e admira na conduta animal. Aprendendo, então, com as baratas e os rinocerontes em busca de objetivos hediondos, destruindo o patrimônio ecológico como uma manada de rinocerontes, admirando o ataque em bando das baratas, de forma a aprender com elas as leis do esgoto”, escreve o psicanalista.

Publicado originalmente em 1998, trata-se de um estudo sobre a crise da masculinidade e sua relação com os índices de violência na sociedade. O autor, um dos pioneiros dos estudos de gênero no Brasil, recorre a dados estatísticos e pesquisa documental para sua argumentação, em diálogo com a antropologia, psicanálise, sociologia e história. E mergulha no universo da arte e do mito, recorrendo, para sua análise, a obras literárias, cinematográficas, teatrais e credos mitológicos de culturas ancestrais. A nova edição foi atualizada, contemplando capítulos sobre a ascensão de Donald Trump e Jair Bolsonaro, o negacionismo de sua forma de governar e sua relação com a masculinidade tóxica.

Em 142 poemas, o livro pretende desvelar o Brasil sob a ótica da poesia. O recorte temporal vai do período colonial, com poemas de Gregório de Matos, à contemporaneidade, com composições de Angélica Freitas e Mariana Ianelli, por exemplo. A revolta do título expressa-se no tom satírico e irônica de muitos dos poemas: são cinco séculos de injustiças sociais, de barbáries das mais diversas ordens, preconceitos e abusos políticos no Brasil que são explorados pelos poetas. “Por meio de sátiras mordazes ou irônicas paráfrases, em diversas formas de expressão poética, que às vezes pendem para o épico e outras para o epigramático, nossos poetas constantemente afiam as suas lâminas do grito”, como escreve o organizador André Seffrin.


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