Cartas a um jovem poeta

Cartas a um jovem poeta
Fran Soares

Peça se baseia na obra homônima de Rainer Maria Rilke, um dos principais poetas do século 20

Um poeta indeciso entre a carreira literária e a militar: o jovem Franz Kappus trocou dez cartas com o escritor tcheco Rainer Maria Rilke (1875-1926), entre 1903 e 1908. Após a morte deste, as correspondências foram compiladas no livro Cartas a um Jovem Poeta, uma de suas obras mais significativas. A produção serve de base para a peça homônima, adaptada e interpretada por Ivo Müller, em cartaz no Viga Espaço Cênico, em São Paulo.

O espetáculo se passa em um cômodo, sugerindo um dos quartos em que Rilke se hospedou em uma de suas viagens. A peça também faz referências a outras produções do autor, entre elas Ewald Tragy, Os Cadernos de Malte Laurids Brigge e Elegias de Duíno. Desta forma, a criação artística e o auto-conhecimento são aspectos bastante trabalhados e há “conselhos sobre a formação do homem, sobre o período de transição da juventude para a vida adulta”, diz Müller.

Embora escritas há mais de um século, as cartas despertam reflexões sobre aspectos do século 21. Em tempos de conferências climáticas, como a COP-15 (Conferência de Copenhagen), Müller ressalta que questões já trabalhadas por Rilke no início do século 20 permanecem atuais: “Ele é um poeta ecológico. Um dos conselhos já na primeira carta (trecho abaixo) é de que o Kappus se aproxime da natureza para entender o que é o mistério humano”.

Apesar da atualidade do tema, Rilke é pouco lido e, por esta razão, Müller teve a ideia de fazer a peça: “Quando eu estava dando uma aula de teatro em uma biblioteca, olhei para a prateleira e vi que estava cheia de Cartas a um Jovem Poeta novinhos, nunca tinham sido tirados para leitura. Então eu pensei que era preciso encontrar um outro jeito daquilo chegar até as pessoas, que não fosse só pelo livro”. Para o dramaturgo, é importante resgatar as obras daquele que “foi um dos maiores escritores, um dos maiores poetas do século 20, justamente pela universalidade dos temas; é por isso que ele chega até hoje”.

Cartas a um jovem poeta
Viga Espaço Cênico
Rua Capote Valente, 1323
31 de março a 29 de abril
Quartas e quintas, às 20h
R$ 20

 
Paris, 17 de fevereiro de 1903  

 Prezadíssimo Senhor,

Sua carta alcançou-me apenas há poucos dias. Quero agradecer-lhe a grande e amável confiança. Pouco mais posso fazer. Não posso entrar em considerações acerca da feição de seus versos, pois sou alheio a toda e qualquer intenção crítica. Não há nada menos apropriado para tocar numa obra de arte do que palavras de crítica, que sempre resultam em mal-entendidos mais ou menos felizes. As coisas estão longe de ser todas tão tangíveis e dizíveis quanto se nos pretenderia fazer crer; a maior parte dos acontecimentos é inexprimível e ocorre num espaço em que nenhuma palavra nunca pisou. Menos suscetíveis de expressão do que qualquer outra coisa são as obras de arte, — seres misteriosos cuja vida perdura, ao lado da nossa, efêmera.

Depois de feito este reparo, dir-lhe-ei ainda que seus versos não possuem feição própria, somente acenos discretos e velados de personalidade. É o que sinto com a maior clareza no último poema Minha alma. Aí, algo de peculiar procura expressão e forma. No belo poema A Leopardi talvez uma espécie de parentesco com esse grande solitário esteja apontando. No entanto, as poesias nada têm ainda de próprio e de independente, nem mesmo a última, nem mesmo a dirigida a Leopardi.

Sua amável carta que as acompanha não deixou de me explicar certa insuficiência que senti ao ler seus versos sem que a pudesse definir explicitamente. Pergunta se os seus versos são bons. Pergunta-o a mim, depois de o ter perguntado a outras pessoas. Manda-os a periódicos, compara-os com outras poesias e inquieta-se quando suas tentativas são recusadas por um ou outro redator. Pois bem — usando da licença que me deu de aconselhá-lo — peço-lhe que deixe tudo isso. O senhor está olhando para fora, e é justamente o que menos deveria fazer neste momento. Ninguém o pode aconselhar ou ajudar, — ninguém. Não há senão um caminho. Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? Isto acima de tudo: pergunte a si mesmo na hora mais tranqüila de sua noite: “Sou mesmo forçado a escrever?”

Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for afirmativa, se puder contestar àquela pergunta severa por um forte e simples “sou”, então construa a sua vida de acordo com esta necessidade. Sua vida, até em sua hora mais indiferente e anódina, deverá tornar-se o sinal e o testemunho de tal pressão. Aproxime-se então da natureza. Depois procure, como se fosse o primeiro homem, dizer o que vê, vive, ama e perde. Não escreva poesias de amor. Evite de início as formas usais e demasiado comuns: são essas as mais difíceis, pois precisa-se de uma força grande e amadurecida para se produzir algo de pessoal num domínio em que sobram tradições boas, algumas brilhantes. Eis por que deve fugir dos motivos gerais para aqueles que a sua própria existência cotidiana lhe oferece; relate suas mágoas e seus desejos, seus pensamentos passageiros, sua fé em qualquer beleza — relate tudo isto com íntima e humilde sinceridade.

Utilize, para se exprimir, as coisas do seu ambiente, as imagens dos seus sonhos e os objetos de sua lembrança. Se a própria existência cotidiana lhe parecer pobre, não a acuse. Acuse a si mesmo, diga consigo que não é bastante poeta para extrair as suas riquezas. Para o criador, com efeito, não há pobreza nem lugar mesquinho e indiferente. Mesmo que se encontrasse numa prisão, cujas paredes impedissem todos os ruídos do mundo de chegar aos seus ouvidos, não lhe ficaria sempre sua infância, esta esplêndida e régia riqueza, esse tesouro de recordações?

Volte a atenção para ela. Procure soerguer as sensações submersas deste longínquo passado: sua personalidade há de reforçar-se, sua solidão há de alargar-se e transformar-se numa habitação entre o lusco e fusco diante do qual o ruído dos outros passa longe, sem nela penetrar. Se depois desta volta para dentro, deste ensimesmar-se, brotarem versos, não mais pensará em perguntar seja a quem for se são bons. Nem tão pouco tentará interessar as revistas por esses seus trabalhos, pois há de ver neles sua querida propriedade natural, um pedaço e uma voz de sua vida.

Uma obra de arte é boa quando nasceu por necessidade. Neste caráter de origem está o seu critério, — o único existente. Também, meu prezado Senhor, não lhe posso dar outro conselho fora deste: entrar em si e examinar as profundidades de onde jorra sua vida; na fonte desta é que encontrará resposta à questão de saber se deve criar. Aceite-a tal como se lhe apresentar à primeira vista sem procurar interpretá-la. Talvez venha significar que o Senhor é chamado a ser um artista. Nesse caso aceite o destino e carregue-o com seu peso e a sua grandeza, sem nunca se preocupar com recompensa que possa vir de fora. O criador, com efeito, deve ser um mundo para si mesmo e encontrar tudo em si e nessa natureza a que se aliou. (…)

Com todo o devotamento e toda a simpatia,

Rainer Maria Rilke

(2) Comentários

  1. “CARTA A UM JOVEM POETNA”
    Trinta Moedas de Ilusões Perdidas em Alma Nau de Renúncias e Estilhaçamentos de Ser.

    01)-Não tenha medo de si. Não vais viver para sempre mesmo, nem sendo falso e nem sendo verdadeiro. Então pense e se respeite. Isso é o que conta, afinal.
    02)-Escreva tudo o que lhe vier na desdita. Podemos ser bem melhores e muito mais criativos quando estamos à divisa de sermos pasto pra lobos.
    03)-Crie sem régua o que se lhe der na veneta. Sem regra, moral, calendário, picumã, quadrado ou esquadro. Só passe a limpo o limbo.
    04)-Não segure rojões. Nem se iluda. Surpreenda-se pelo inesperado e como reages frente a isso. Crie mas não se esqueça de que às vezes a criação na muda empobrece.
    05)-Sente a pua na antiga e boa canetinha Bic amarelinha. Ou na Remingtom, no notebook ou no novo Ipod que pode logo ser substituído por um chip de besta na tua mente se esmoreceres.
    06)-Seja o tablete o seu cincerro sincero. Mas não dê sinais de submissão e nem de suporte de domínio. Uive e dê coices. Deus ajuda quem cedo desgruda.
    07)-Salve-se sempre. Se inclua fora dessas e de outras periclitações do baixo clero. O eixo pode ser totem de doping a varejo. Melhor viajar na batatinha e ser saquê de mixórdias.
    08)-Não se caiba em nada. O ego é uma armadilha pertinente, fingindo-se de bom conselheiro. Sangre e regurgite. Um olho no pelotão de isolamento e outro na fervura da escapatória que num relance pode se materializar.
    09)-Leia entreliças. No pântano da condição humana e de uma sociedade fútil, que vivas muito bem e sobressalente a tua alma nau insurgente.
    10)-Seja sentir, criar, ler, pensar e escrever Poesia a tua melhor rebeldia, assim na terra como na sozinhez. Sofra mas conte os canteiros e fuja dos carneiros tosquiados. Uma andorinha só não faz nem outra andorinha, mas é liberta de si mesma.
    11)-Lembre-se: Não vais sair vivo dessa, nem vai a lugar nenhum do qual não tenha a sua própria portabilidade. Cresça e apareça. Sua arte te será no futural muito além de ti.
    12)-Grite aos quatro cântaros. Tire deleite de pedra, arames de nuvens, própolis de sofrências, sendo sempre o macarrão gravatinha borboleta na feijoada da vida e acontecências…
    13)-Não urines fora do penico. Se preciso for, bote o penico para correr. Ventríloquos e mágicos ainda são tachados de loucos, mas conhecem as louras e a morenas das vitórias pessoais.
    14)-Se preciso, seja o cuspe no prato da terra que há de te comer, mas não terás vivido em vão ou passando recibo de ilicitudes e impropriedades.
    15)-As perdas são tangíveis. Mas não nasceste para tomar conta de pedra e ela fugir. Nunca esmoreça. Mereça-se SER.
    16)-Corroa as estruturas. Sejas o sal das sepulturas mal caiadas. Arte que não liberta é acomodação de partículas de luzes, não vão dar em nada, nunca.
    17)-Leia Vidas. Leia livros, rios, árvores, vidros, chuvas, relâmpagos, nuvens, tulipas e flores astrais em formato de guarda-chuva de estrelas, mas tudo isso LEIA em Pessoas. Já pensou que fulgurante?
    18)-Não se caiba em si. Saia-se de si. Seja especial para ti mesmo. Procura-te a ti mesmo nos outros. Coloque se no lugar da ostra, para saberes o que é bom pra viagem interior.
    19)-Não deixe que te digam o que podes ou deves fazer. Seja sempre uma nova pergunta após cada resposta, missão ou ordenamento ultrajante. Cante pelos cotovelos.
    20)-Entre a sombra e a escuridão, o moinho e o engenho, o carvão e o fogo-fátuo, seja o túnel do desjardim que vai irromper clarificando o desabrochar do lacre rompido e berrar humano muito além do estertor do clarim.
    21)-Igreja, exército, sociedade: nau de insensatos. Procissão de quasímodos. Quem é que precisa de lesmas lerdas e de lázaros mumificados?
    22)-Se preciso for, sejas a pedra no sapato das etiquetas corrompidas.
    23)-Sejas o mata-burro dos imbecis com grifes-nódoas e com etiquetas de pose suturadas. Um band-aid só não faz vergão.
    24)-Abençoe os fracos e oprimidos, os despossuídos, os excluídos sociais, os trecheiros, os noiteadeiros, os descamisados, os peregrinos, os humildes. Lembre-se: na casa do Pai há muitas geladas. Olho especial para os simples, abrace-os, ampare. Soe eles.
    25)-Não queira ser o que sabes que não podes ser, não saberias verdadeiramente e de forma pura ser, valorizando a espécie.
    26)-Rompa com os grilhões. Perdoe os inimigos de percurso cheios de ódio, de mágoas e de neuras. Por eles, terás que ser muito melhor do que eles.
    27)-Limpe-se enquanto é tempo. A arte como levitação, camarada.
    28)-Ame os loucos. Deus o abençoará e o usará para confundir as metamorfoses ambulantes que se acham donos da verdade, e então, com tuas palavras manterás retesado o arco da promessa e confundirás os sábios.
    29)-Por favor, não se venda. Tire a venda. Amostra grátis pura e simples é isso mesmo, Fé.
    30)-Por fim, não escrevas só quando quiseres, mas também quando não quiseres, pois é na escuridão que brotam as melhores artes da ‘dorpoesia’ mais profunda, sábia e verdadeira, e são essas lágrimas que assombrarão para muito além de ti os sobreviventes do antes em embriões de sensibilidades auferidas e que também e abrirão almas, corações e mentes.
    -0-
    -Texto Base Escrito Pela Primeira Vez Num Lencinho Úmido de Cerveja Preta num Barzinho Risca Faca de Beira de Estrada Que Não ia Dar Mesmo em Lugar Nenhum
    -Não Arrote Grandeza. Arrote Tubaína Tutti-Frutti Mesmo se ela For de Limão
    -Permitida a Leitura em Braile, em Libras ou Teatro Mambembe de Encruzilhada Cheia de Plantações de Tomates, Lágrimas e Pudim de Baunilha
    -Proibindo Qualquer Ilustração. A melhor Imagem é na Sua Cabeça de Metamorfose Ambulante Cheia de Perguntamentos Lávicos em Branco
    -Uma Cerveja antes, uma poesia depois, essa é a boa ideia. Lembre-se: Há Bares que Vem Pra Bem e Nem Tudo que Reluz é Fêmea ou Estrela cá Dentro
    -Aposte na Loteria e Jogue fora o Bilhete premiado. Alguém há de querer ganhar e merecer mais do que a ti mesmo, que já nasceste premiado por seres o que és
    -Não Afie Canivetes em Egos Doentios ou Gases Despossuídos. A pior barbárie é a civilização. Caia fora enquanto é templo.
    -Viver é liquido e certo, depois, no fim, esterco inaproveitável. Águas paradas não movem montanhas. Seja a montanha além de seu limite intransponível
    -Dinheiro trai felicidade. Ganhe o suficiente para ser autossuficiente no seu sagrado dia de hoje. Amanhã às neuras pertencem… Pergunte ao pó
    -Tire o silêncio para dançar um rock animal e dance com a solidão, que uma vida de ermitão é melhor do que uma mão na frente se a outra trai.
    -Amigos são riquezas colecionáveis como tampinhas de antigas garrafinhas torneadas de Crush; são tetas de latas de ervilha ou tetas de caixinhas de leite longa vida. Arme barracos e acampe neles. A melhor barricada é estar do outro lado, o lado certo além das cercas das aparências; nas alvissareiras trincheiras de companheiros que sonham humanismo de resultados com solidariedade aos desafortunados
    -Seja sempre do contra. Até mesmo do contra o teu contra. A fogo dado não se olha o rastilho de onde a energia inicial foi potencializada
    -Lembre-se: melhor uma fêmea com bustão do que uma palavra mágica que não abre-te sésamo. Ou Césio. Dai a César a xepa que é da Vila Sésamo
    -Fuja do lugar em que estás. Corra risco mas pule a amarelinha do céu e do inferno em seu próprio calcanhar de frigideira e andar-de-pular-pocinhas
    -Se a vida só te der um limão-rosa, brade e brigue pela vodca legitima e lance pedidos de apoio e socorro por açúcar cristal orgânico em bares nunca navegados
    -Por fim, lembra-te: melhor laquê do que lacrar!
    (FIM, ATÉ QUE)
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    Cyber Poeta Silas Correa Leite – Estância Boêmia de Santa Itararé das Artes, Letras e Músicas
    E-mail: poesilas@terra.com.br – Blog: http://www.portas-lapsos.zip.net
    Autor de DESVAIRADOS INUTENSILIOS, Poemas e Afins. Editora Multifoco, Rio de Janeiro, 2013
    Texto da Série SUTRAS ZENBOÊMICOS & OUTROS MICOS MIRABOLANTES

  2. Achei interessantíssimo e adoraria ir, mas como não moro na capital não consigo ir nos dias atuais das apresentações. Sugiro opções nos finais de semana 😉

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