Breve história da arte

Breve história da arte

Após o rompimento promovido em 1922, a capital de São Paulo começa a pensar a si mesma como uma metrópole nos anos 50
Em um breve resumo, a história de combates, de momentos de ousadia em nome da transformação que compõe o belo instante no qual se decide que tudo aquilo que é não deverá mais ser. Trata-se, claro, da ansiedade da vanguarda em ação. Após o rompimento estético promovido na década de 20, a capital de São Paulo começa a pensar a si mesma como uma metrópole nos anos 50, e todo um registro da história da cultura brasileira nasce com a exigência, mais uma vez, do novo: uma nova arquitetura, um novo entendimento da arte, uma nova escola, novos espaços, nova poesia e novos artistas que transformariam a paisagem mental de um, antes, provinciano e promissor parque industrial. Alguns dos protagonistas desse conto paulistano do século 20 contam à CULT como tudo aconteceu.

“A presença de Max Bill foi uma coincidência das atitudes de um historiador da cultura e diretor de museu chamado Pietro Maria Bardi. Ele foi catalisador dessa mudança de influência da cultura francesa para a cultura universal, porque a cultura francesa, naquele momento (o início dos anos 50), era dominante no Brasil e especialmente em São Paulo. A cultura francesa era ditatorial, era um grupo parisiense que vendia sua arte, era um mercado, o da arte, apropriado pelos franceses. Eles tiveram a vantagem da guerra, porque com a guerra contra fascistas e nazistas toda a informação sobre o que estava acontecendo na Rússia, Itália e Alemanha, em termos artísticos, como o futurismo, não penetrava aqui. Embora o futurismo tenha vindo antes, a evolução do futurismo não chegou aqui. Nem da Bauhaus você ouvia falar em 1950. Eu tinha 23 anos, e nenhuma informação chegava. O Museu de Arte de São Paulo trouxe Max Bill, e foi a primeira exposição do Bill fora da Suíça. Paralelamente, o Ciccilo Matarazzo (Francisco Matarazzo Sobrinho) trouxe a Bienal, com as comemorações do IV centenário, embora o Ciccilo estivesse mais ligado à cultura francesa, com o Sérgio Milliet. Mas, sem querer, com a Bienal, ele possibilitou uma mudança. A 2ª Bienal de São Paulo foi a mais importante do mundo, porque trouxe fragmentos de todos os movimentos culturais que aconteceram durante o período da 2ª Guerra. Eu ajudei na montagem da mostra do Bill; um pedido do Bardi. Eu, até aquele momento, não sabia o que era designer, e três brasileiros foram altamente influenciados pela exposição do Max Bill: Almir Mavignier, Mary Vieira e eu. Para mim, foi um choque, e entendi pela primeira vez qual era a função do artista, que não era pendurar um quadro na parede, uma proposta que não era de 1950, mas de 1918, com Malevitch. O artista deve fazer ornamentos para eternamente expor na parede ou todas as pessoas podem ter arte nas suas mesas, em um produto industrial? Foi essa a preocupação da Bauhaus.”
Alexandre Wollner
“Fui enviado ao Brasil como professor de literatura, e minha vida se dividia entre a literatura e a pintura. De São Paulo, quando cheguei, me lembro apenas da avenida Paulista e das meretrizes, porque lá, na época, só havia isso. Me lembro do barulho dos bondes, e ficávamos nas ruas até três da manhã. O que marcou a ruptura foi a 2ª Bienal, de 1953. Na 1ª (1951), o premiado foi um italiano daqui, Danilo Di Prete, e entre uma e outra tudo aconteceu, toda a reviravolta, com o movimento concretista, Samson Flexor, a arte não figurativa. Naquela época, ainda havia o grupo Santa Helena, de Volpi e Bonadei, que praticavam ainda uma arte figurativa. Eles lutavam contra a miséria, fazendo todo o tipo de trabalho. Volpi ainda não era uma força ativa, alguém de quem se falava. Os comentários eram todos em torno de Waldemar Cordeiro e de seus gritos. Eu não o freqüentava, só ouvia seus berros. Ele liderava o grupo Ruptura, composto de pessoas batalhadoras…”
Jacques Douchez
“A aceleração  da cidade nos obrigou a viver de uma outra maneira, mas não tínhamos ainda consciência do que acontecia, nós éramos assim porque a cidade era assim. Ou acompanhávamos a cidade ou então se mudava de lugar. Mas aceleração  trazia também uma prazerosa angústia, porque uma pessoa da minha geração passou de uma cidade de 600 mil habitantes para uma das maiores do mundo, e isso, no espaço de uma vida, é um fenômeno único para um homem. Quando foi criado o Museu de Arte Moderna, todos se reuniam ali, no bar, às vezes conseguíamos vender uma coisa, para uns amigos. Mas o grande feito das Bienais de arte foi acostumar o público, fazer com que a burguesia aceitasse aos poucos a pintura abstrata e geométrica. A 2ª Bienal teve Guernica, de Picasso, uma coisa maravilhosa, Max Bill… Os melhores artistas modernos estiveram naquela Bienal. Para nós, artistas, foi algo de extrema importância. Os artistas viam, estabeleciam contatos. Tudo mudou. Tudo.”
Norberto Nicola
“Eu não digo que havia, nos movimentos de vanguarda, como o grupo Ruptura, uma atitude violenta. O que havia era uma agressividade natural e uma atitude já refletida de revolta contra imposições e conceitos. O crítico Sérgio Milliet era a tradição. Existia uma inimizade radical. No jornal O Estado de S.Paulo ele trazia toda aquela tradição de linguagem e interpretação. O Waldemar Cordeiro lutava contra isso, certo? Houve um debate pela imprensa entre ele e o Milliet. Com essa posição agressiva e de luta, o Cordeiro terminou dando um exemplo muito positivo para todos nós. Ainda que fosse uma pessoa que acreditava ter tido uma “revelação”, a posição dele propagava, com uma desenvoltura e uma eloqüência, algo muito importante. Se não tivesse existido isso, todos esses acontecimentos, nada teria acontecido. Mas eu nunca integrei o grupo Ruptura, isso porque certo processo político se sobrepôs a tudo mais… E não interessava ao grupo reconhecer que a arte concreta pudesse ser da maneira como eu a estava interpretando.”
Antônio Maluf
“O concretismo não vingou, essa é minha opinião pessoal. O Cordeiro era uma pessoa muito polêmica, e não foi com a arte que ele levou a coisa toda, foi com a polêmica, e na São Paulo, naquela época, os anos 50, tudo estava concentrado no prédio do jornal Folha da Manhã, no Museu de Arte Moderna, nos bares. Quando voltei dos Estados Unidos, aonde fui para estudar, queria trabalhar com publicidade. Trouxe muita informação de lá, a action painting estava acontecendo e tive uma visão e cheguei à arte. Eu não mandava minhas obras para os “salões” paulistanos que premiavam os artistas. Tudo aquilo era comprado, já se decidia quem ia ganhar. Eu fiz um caminho muito particular, não fiz o trajeto que se esperava do artista, que passa pelo atelier, todo sujo de tinta… Esse tipo de espetáculo tinha aqui, e eu não era nada disso. Era tudo muito pequeno e desorganizado na cidade. Mas depois comecei a receber os meus alunos, nos anos 60.”
Wesley Duke Lee
“O Wesley não era professor, não tinha curso, mas resolveu dar aulas. Ele teve de inventar umas aulas, mas mais do que uma presença didática, o importante para nós (eu,  José Resende, Carlos Fajardo e Frederico Nasser) era estar presente em um atelier, e o do Wesley ficava na rua Augusta, em cima de uma loja de discos, a High-Fi, e o mais impressionante era ver o trabalho evoluir, ele era muito ativo, preciso, e aquilo, em comparação com a pasmaceira da universidade, era algo muito atrativo. Era uma grande conversa. Ele é uma pessoa muita prática, e acho que esse é o lado norte-americano dele, o de fazer. Eu já estava muito distante dos concretos.” ?
Luiz Paulo Baravelli
“Eu fiz um estágio com o arquiteto Paulo Mendes da Rocha, porque procurava conciliar meus interesses, a arte e a arquitetura. Depois fui para o atelier do Wesley, que era uma pessoa autônoma, e essa relação de autonomia, no mundo da arte de São Paulo, era uma grande novidade, porque havia dois partidos muito ortodoxos na época: o Partido dos Concretos e o Partido Comunista, extremamente centralizados e de acesso muito difícil, e o que procurávamos, como artistas, era escapar; queríamos reivindicar a possibilidade de que toda a questão seria resolvida por meio de uma política dentro das artes, mais do que trazendo a política para a arte. Tive contato com o Waldemar Cordeiro, que vivia certo isolamento em São Paulo, e nos encontramos em Roma, em 1968, uma viagem atribulada, em razão da situação política no país. Eu era um garoto, e foi algo esclarecedor para mim. Acho que a minha geração foi a última cuja relação entre colegas artistas, os que vieram antes e depois, integrou a nossa formação.”   
José Resende
>> Alexandre Wollner (1928) – Premiado na 2ª Bienal de São Paulo, participa do grupo Ruptura. Após sua passagem de quatro anos pela Es–cola Superior da Forma em Ulm, Alemanha, a convite de Max Bill, abandona a pintura para se dedicar apenas às artes gráficas.

>> Antônio Maluf (1926) – Após vencer o prêmio para o cartaz da 1ª Bienal de São Paulo, desenvolve uma pintura construtiva, se mantendo, porém, independente do grupo concreto paulista. Realiza ainda trabalhos na área de designer gráfico e programação visual.

>> Jacques Douchez (1921) – Francês, chega ao Brasil em 1947 e integra o grupo de Samson Flexor, o Ateliê Abstração, que se distanciava do rigor formal dos concretos do grupo Ruptura. Em 1949 cria o Atelier Douchez-Nicola, de tapeçaria.

>> José Resende (1945) – Ex-aluno de Wesley Duke Lee, é fundador (com Luiz Paulo Baravelli, Carlos Fajardo, Frederico Nasser) da Escola Brasil (1970-1974), que pretendia renovar o ensino de arte no Brasil. Resende é um dos mais importantes artistas brasileiros em atividade.

>> Luiz Paulo Baravelli (1942) – Desenvolvendo um trabalho com a pintura e com o desenho, tem uma participação ativa no cenário da arte paulistana, integrando inúmeras mostras nacionais e internacionais.

>> Norberto Nicola (1931) – Aluno de Flexor, desenvolve um trabalho em tapeçaria com Jacques Douchez, participando de várias Bienais de São Paulo e de mostras fora do Brasil.

>> Waldemar Cordeiro (1925-1973) – Líder e ideólogo do grupo Ruptura, criado em 1952, em São Paulo. Com os artistas Geraldo de Barros, Lothar Charoux, Kazmer Féjer, Leo-pol-do Haar, Luís Sacilotto e Anatol Wladys-law busca uma arte concreta e se aproxima dos poetas Décio Pignatari, Haroldo e Augusto de Campos.

>> Wesley Duke Lee (1931) – Descendente de imigrantes norte-americanos, abandona seus planos com a publicidade pela arte. Na década de 1960, realiza o primeiro happening no Brasil. Em 1966, com Nelson Leirner, Geraldo de Barros, José Resende, Carlos Fajardo e Fre-derico Nasser funda a Rex Gallery, se opondo ao mercado de arte.

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