Brasil para gringos
Uma crônica enciclopédica, para forasteiros, sobre um país tropical, amaldiçoado por Messias, e bonito – se sobrar natureza.
História
O Brasil foi descoberto em 1500 pelo português Pedro Álvares Cabral. O lugar ficou muitos anos sem nome, pois os colonizadores não chegavam a um consenso. Batizaram-no primeiramente de Terra de Santa Cruz, depois de Pindorama e até de Joaquinzinho, numa homenagem ao grumete que primeiro avistou o Monte Pascoal. A Corte lusitana foi semeando igrejas e padarias em cada freguesia até que o país tivesse as feições que tem hoje: um enorme bacalhau. Em seus primeiros anos, o território era habitado por índios. Hoje, coxinhas e mortadelas são a base da sociedade. Fora o idioma inglês, só um fator une seu povo: do Oiapoque ao Piauí alguém já foi assaltado pelo menos uma vez.
Capital
Quase todo na Suíça.
Cenários naturais
Graças à uma política de apoio irrestrito ao agronegócio, os cenários naturais estão se tornando apenas cenários.
Clima
No inverno faz frio, na primavera aparecem as flores, no outono surgem os frutos e, no verão, inunda tudo. O índice pluviométrico brasileiro é inversamente proporcional ao índice inflacionário. Se não chove, a inflação sobe, porque nada se produz. Se chove, aumenta a oferta de produtos agrícolas, os preços caem, mas aí todo mundo está desempregado e continua consumindo somente ossos de boi e pé de galinha.
Cultura
Foi pausada até o final de 2022 podendo, ou não, retornar em 2023.
Economia
É o primeiro país do mundo a ter um teto de gastos destelhado.
Gastronomia
Pela quantidade de ingredientes picantes, gordurosos e indigestos, que provocam toda a sorte de emissão de gases, vômitos, diarreia e catatonia, poder-se-ia dizer que a gastronomia brasileira é uma cozinha mexicana que não deu certo.
Sistema político
É uma democracia teocrática com influências anarquistas, fascistas e do reverendo Jim Jones. Desde que virou república, o país tenta encontrar um dirigente que traduza o espírito do seu povo. Talvez se o rei Roberto Carlos virasse bispo evangélico, aderisse às ideias de Kropótkin e se colocasse à direita do PL, seria uma boa opção para guiar o país. Porém, até hoje, excetuando-se a Xuxa, não apareceu nenhuma figura que espelhasse a civilização brasileira.
Polícia
Há três tipos de polícia: a municipal, a militar e a de choque. A diferença básica entre a primeira e a segunda é que a municipal pede documentos antes de “descer a borracha”, e a militar pede depois. Já as tropas de choque costumam não pedir nada a ninguém. Já vão sovando indiscriminadamente tudo o que passar pela frente.
População
Até o fechamento desta crônica, o Brasil possuía 217 milhões de habitantes. É possível que metade tenha se mudado para Portugal até que você termine de lê-la.
Superfície
8.516.000 km² de terras com vista para o precipício.
Quando vir ao Brasil
O ano inteiro. Deve-se evitar apenas os meses de janeiro, fevereiro, março e abril, em razão das enchentes. Maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro e novembro, em função do calor causticante. E o mês de dezembro, por causa dos assaltos. Durante copas do mundo de futebol, não há expediente no país.
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Carlos Castelo é jornalista e cofundador do grupo musical Língua de Trapo. É autor de 16 livros que vão de crônicas à poesia, e de aforismos a micronarrativas.