Bolsonaro em 2022 será mesmo um candidato fortíssimo?
Bolsonaro pode ser vencido, sim, embora derrotá-lo não seja uma fatalidade (Foto: Ueslei Marcelino)
O professor Marcos Nobre, da Unicamp, é um dos mais refinados analistas da conjuntura política nacional. Algumas das suas hipóteses de campo, como a de que Bolsonaro não precisa necessariamente de que seus apoiadores e eleitores sejam a maioria a fim de continuar governando e ser reeleito, ajudam muito a entender a estratégia que orienta os atos do presidente e o comportamento dos bolsonaristas.
Em entrevista dada a Laércio Portela, esta semana, e publicada no site Marco Zero, o professor deixou muita gente assustada já a partir do título em que se declara que “Bolsonaro é um candidato fortíssimo e as instituições estão em colapso”. A tese é inquietante, e a força do superlativo parece corresponder à recomendação do professor para este momento, como primeira coisa: “espalhar essa consciência que nós estamos em emergência democrática, ter clareza sobre isso. Parar com esse negócio que as instituições estão funcionando, que está tudo certo e que Bolsonaro está contido”.
Pois se Nobre queria
espalhar a convicção
de que Bolsonaro
continua perigosamente
em condições de ganhar
a próxima eleição,
conseguiu o propósito.
Como também produziu algum pessimismo e pânico. Principalmente para quem já está deprimido pelas próprias circunstâncias da pandemia e pelas descobertas, que se avolumam, sobre o quão longe chegou o governo Bolsonaro em sua incapacidade de gerir o país em crise e em sua habilidade de destrui-lo. O professor Marcos Nobre não nos poupa e expressa em voz alta a convicção de que um número crescente de brasileiros passou a cultivar, mas às vezes não tem coragem de admitir: “Caso Bolsonaro perca a eleição, ele vai tentar um golpe”.
O que sobretudo abateu os esperançosos foram duas hipóteses do professor. A primeira diz que Bolsonaro provavelmente está no seu pior momento, alcançou o piso. Isso só pode significar que: a) não pode piorar, não perderá mais apoio; b) o apoio a ele tende a aumentar no futuro, pois cedo ou tarde a vacina chega, e a economia há de melhorar. O vaticínio, inquietante, é que Bolsonaro vai estar mais forte em 2022. Forte, não. Fortíssimo.
A segunda hipótese sustenta que o bolsonarismo é consistente e não dá sinais de que sofrerá algum tipo de erosão. Ele divide os supostos 30% de bolsonaristas, que já virou um truísmo, em 15% de autoritários, 7% de apoiadores entusiastas, e 8% de simpatizantes. Sim, é uma minoria, mas o problema é que como os outros 70% não entram em acordo sobre nada, “com 30% você consegue ganhar uma eleição”. Ainda acho que o mais prudente seria dizer que com 30% é muito provável que um candidato chegue ao segundo turno, mas ele certamente sabe a diferença entre isso e ser eleito.
“Fortíssimo” é um superlativo que não passa em branco. Em quem tem alguma formação clássica, este adjetivo, como dizem os supersensíveis identitários de hoje, deve ter “dado gatilho”. Lembrei imediatamente da frase do De Bello Gallico, em que um Júlio César, lembrando-se de uma das raras surras que levou, diz dos povos germânicos do Reno que “horum omnium fortissimi sunt Belgae”. Dentre todos eles, os belgas são os mais corajosos, os mais fortes. Não é um bom presságio usar esse termo para Bolsonaro.
Latinório e vaticínios à parte, gostaria de discutir a tese de que Bolsonaro será um candidato fortíssimo em 2022, bem como a profecia de uma nova vitória da minoria eleitoral que constitui o bolsonarismo. Faço-o por meio de algumas indagações.
A primeira é: quantos novos segmentos demográficos se agregaram ao bolsonarismo desde 2018. Consigo ver os segmentos que o abandonaram; não consigo ver qualquer público novo que ele tenha atraído. Uma parte dos lavajatistas o abandonou, assim como muito entusiasta virou simpatizante e muito simpatizante virou arrependido e envergonhado. Não conheço neobolsonaristas, mas, em compensação, conheço muitos ex-bolsonaristas. E vocês?
Assim, temos um governo apoiado por uma minoria, que oscila entre 20 e 30%. Essa minoria é resistente à erosão, concordo, mas tampouco tem demonstrado capacidade de crescer. Bolsonaro obteve 58 milhões de votos de um total de 147 milhões de eleitores habilitados em 2018. Venceu com uma considerável minoria eleitoral (39% dos que podiam votar), com a colaboração dos 11 milhões que votaram em branco ou nulo e dos 31 milhões que nem apareceram para votar.
O que fez a diferença para que essa minoria pudesse ser vitoriosa foi o pânico moral produzido depois de convencer uma parte substancial dos eleitores de que PT era o demônio encarnado e o Mal absoluto. O lavajatismo, uma parte do jornalismo, boa parte dos formadores de opinião contribuíram para disseminar isso. A questão é que antipetismo e o lavajatismo já não jogam tanta água assim no moinho de Bolsonaro. Ele não pode mais ser o anão nos ombros de um gigante. Depois de sete anos, o antipetismo vem finalmente cedendo. E o lavajatismo, exangue, tenta encontrar o próprio caminho, mas grande parte dele rejeita o bolsonarismo, e o rejeita cada vez mais à medida em que as denúncias de inépcia e de corrupção vão aparecendo. Como pode, então, esta minoria depurada em grande parte do lavajatismo e do antipetismo se transformar em eleitoralmente fortíssima? Só com agro ogro, milicos & milicianos e conservadores religiosos é possível ser fortíssimo eleitoralmente?
A minoria bolsonarista parecia suficiente para ganhar eleições quando a Lava Jato tirou Lula do jogo, e a bomba atômica do impeachment desorganizou o sistema partidário de forma a só deixar nanicos desbaratados para enfrentar as forças organizadas da extrema-direita, embaladas pelo que representou no seu imaginário a vitória de Trump em 2016. O jogo virou. Lula está em campo novamente, o legado político da Lava Jato está em grande parte desmoralizado, as forças políticas tradicionais vêm se reorganizando, e as empresas de jornalismo hoje têm a mais nítida noção de que Bolsonaro é o maior dentre os males. No campo institucional, a última trincheira que o STF interpôs ao bolsonarismo, desde 2020, ainda não foi vencida, a oposição antibolsonarista no Congresso está reagindo (vide a CPI da Pandemia que se seguiu a CPMI das Fake News), a opinião pública mundial está vigilante, Trump não está mais no cenário e, por último, vimos em episódios recentes que até o TCU e parte da Polícia Federal não se renderam integralmente à corrupção bolsonarista do Estado brasileiro.
Minorias governando maiorias são uma coisa esdrúxula, que precisa de um alinhamento astral (um desastre) muito raro para acontecer e que, infelizmente, aconteceu em 2018. Bolsonaro não será mais a novidade em um momento em que o eleitorado estava desesperado por mudança e votou com ódio do PT e do sistema político.
Uma população supliciada pela pandemia, pelo aumento da miséria, pela destruição das pequenas empresas, pela carestia e pelo desemprego, mesmo que esses índices melhorem nos próximos 17 meses, terá ainda viva a memória da dor, da fome, da morte durante o turno de guarda de Bolsonaro. Fake news e redes de comunicação no WhatsApp, as teorias da conspiração, as estratégias de disseminação de satanização e disseminação do pânico moral, nada disso será novo em 2022.
Bolsonaro pode ser vencido, sim, embora derrotá-lo não seja uma fatalidade, mas uma tarefa. Uma tarefa de cada democrata desse país. Mas, afinal, não somos os 75%?
Wilson Gomes é doutor em Filosofia, professor titular da Faculdade de Comunicação da UFBA e autor de A democracia no mundo digital: história, problemas e temas (Edições Sesc SP)