Bienal do Mercosul abre em PoA com destaque para artistas africanos e afro-brasileiros

Bienal do Mercosul abre em PoA com destaque para artistas africanos e afro-brasileiros
‘The W/African Railway Strike 19’, da série 'Liberty', do fotógrafo senegalês Omar Victor Diop (Divulgação)

 

A partir desta sexta (6), três museus de Porto Alegre recebem obras da Bienal do Mercosul, que aborda os pontos de contato – e conflito – entre as culturas indígena, europeia e africana. Sob o título “O triângulo atlântico”, a mostra reúne obras de 77 artistas de 25 países, com destaque para artistas africanos e afro-brasileiros.

“Cerca de 1.400 artistas latino-americanos passaram pelas últimas edições [da Bienal], ou seja, quase todos aqueles que possuíam alguma relevância no mundo das artes visuais. Era chegado o momento de lançar um olhar para todo o espaço atlântico”, afirma o crítico de arte alemão Alfons Hug, curador-chefe da mostra.

Adiada para 2018 por falta de recursos, a Bienal do Mercosul chega à sua 11º edição com orçamento e programação bem mais enxutos que nos anos anteriores – fato minimizado pelo presidente da Fundação Bienal, Gilberto Schwartsmann, que é médico e professor de Oncologia da Faculdade de Medicina da UFRGS.

Em 2015, a mostra chegou a receber mais de 600 obras de 200 artistas em oito espaços culturais da cidade. Neste ano, com orçamento 25% menor, de 5 milhões, exibe 192 trabalhos distribuídas pelo Museu de Arte do Rio Grande do Sul, o Memorial do Rio Grande do Sul e o Santander Cultural, além da Igreja Nossa Senhora das Dores.

A Bienal do Mercosul é a primeira exibição a chegar ao Santander Cultural após a polêmica “Queermuseu”, alvo de protesto de grupos conservadores que acusaram artistas participantes de profanação religiosa e apologia à pedofilia. O Santander é o principal patrocinador privado desta edição da Bienal em Porto Alegre. 

Tivemos o cuidado de que essa Bienal respeitasse os princípios básicos de liberdade de expressão e independência curatorial, mas ao mesmo tempo que pudéssemos ter respeito para diferenças e valores morais de algumas pessoas de maneira muito civilizada”, disse o presidente da Fundação em entrevista coletiva.

Segundo ele, houve o cuidado para que a mostra, de maneira geral, “não agredisse ninguém de forma grosseira, evitando a indelicadeza”.

Triângulo atlântico

Entre fotografias, gravuras, vídeos e instalações, as obras refletem sobre as relações artísticas e sociais decorrentes de movimentos migratórios voluntários e involuntários – como a escravidão – que se deram entre América, Europa e África ao longo da história.

“Obviamente todos os oceanos são grandes celeiros e depósitos de memória, mas nenhum deles ultrapassa o Atlântico em sua acumulação de cataclismos e eventos dramáticos que alteraram o curso da história mundial para sempre”, diz o curador Alfons Hug, primeiro estrangeiro a assumir a curadoria da Bienal Internacional de São Paulo, em 2002. 

Na programação, aparecem nomes como o egípcio Youssef Limoud, o ganês Ibrahim Mahama e o senegalês Omar Victor Diop, que em 2017 tiveram trabalhos expostos na Ex África, a maior exposição de arte contemporânea africana realizada no Brasil – e também curada por Hug.

Fotógrafo, Omar Diop apresenta desta vez a série “Liberty”, na qual reinterpreta o processo de retomada de liberdade de mulheres e homens negros por meio de revoltas de escravos, marchas contra o apartheid ou violência policial.

Conhecido por suas instalações de grande porte, Ibrahim Mahama retorna com “Non orientable – Political animals”, feita de centenas de caixas de madeira empilhadas contendo objetos que evocam as relações entre trabalho e capital. Youssef Limoud apresenta “Geometry of the passing”, um cenário em ruínas composto de materiais encontrados na própria cidade de Porto Alegre.

“Tem a ver com a decomposição da vida, das coisas. Tento rastrear a vida, a fragilidade do mundo e da nossa existência”, afirma o artista egípcio, vencedor do grande prêmio da Bienal de Dakar em 2012.

Entre as obras, há registros da intimidade de reis nigerianos feitos pelo também nigeriano Georgi Osodi; retratos da comunidade lésbica sul-africana clicados pela “ativista visual” Zanele Muholi; releituras de obras de Jean Baptiste Debret pelo português Vasco Araújo e registros sonoros de idiomas indígenas e nigerianos. 

“Talvez há 20 anos, organizar uma mostra de arte contemporânea com presença africana fosse muito difícil, haveria alguns artesãos, poucos nomes. Hoje, observo uma melhora e maior assertividade da produção”, afirmou Alfons Hug. 

Além dos 21 artistas africanos e 19 brasileiros, há 20 da América Latina, 11 da Europa e seis da América do Norte. Entre os brasileiros, Dalton Paula e Jaime Laureano exploram corpos e territórios negros – quilombos, assentamentos, terreiros – e ressaltam as marcas do racismo e da violência existentes no processo da colonização do Brasil.

Junto da artista Camila Soato – que na mostra homenageia Marielle com o quadro “Presente” -, Laureano criou obras a partir do convívio com remanescentes de quilombolas da capital (são 35 comunidades reconhecidas oficialmente só no Estado do Rio Grande do Sul).

Também estão expostas pinturas e artesanatos produzidos por moradoras do Quilombo Vó Elvira, localizado em Pelotas A mostra segue aberta para o público até o dia 6 de junho.

‘Faces e Fases’, de Zanele Muholi, 2006 (Divulgação)
Série ‘Faces e Fases’, da “ativista visual” nigeriana Zanele Muholi, 2006 (Divulgação)
Da série Monarch, ‘HRM OHARISI III, OVIE DE UGHELLI’, de George Osodi, 2012 (Divulgação)
‘HRM OHARISI III, OVIE DE UGHELLI’, da série Monarch,de George Osodi, 2012 (Divulgação)
‘Nois é resistência e num arrega’, de Camila Soato (Divulgação)
‘Nois é resistência e num arrega’, de Camila Soato (Divulgação)
Série Debret, de Vasco Araújo, 2013 (Divulgação)
Debret #1, do português Vasco Araújo, 2013 (Divulgação)
Invasão, de Jaime Lauriano, 2017 (Foto Filipe Berndt / Divulgação)
Invasão, de Jaime Lauriano, 2017 (Foto Filipe Berndt / Divulgação)

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