As margens da formação

As margens da formação
"Por esse motivo, no caso específico das instituições analíticas, a posição marginal de pelo menos alguns de seus integrantes parece-nos estratégica e um princípio de método" (Arte Revista Cult)

 

A um psicanalista deve interessar a rica possibilidade de participar das instituições psicanalíticas, por elas circular e se beneficiar delas como lugar de recolhimento dos diferentes efeitos formativos em seus membros e do encontro com seus pares.

Mas, as instituições – psicanalíticas ou não – pelo menos numa perspectiva foucaultiana, são fundamentalmente dispositivos disciplinares, ou seja, espaços verticais de poder que exercem o controle e a vigilância de seus membros, asseguram a repetição do mesmo criando igrejas dogmáticas e dialetos; com isso, obstaculizam a inovação, a criatividade e as mudanças exigidas pelos efeitos das transformações subjetivas no tempo histórico e social. Assim, por exemplo, a democratização da informação (por oposição à elitização e seus efeitos colonizadores) ou a ênfase nos laços horizontais (por oposição à filiação patriarcal), apenas para citar algumas características diferenciais da contemporaneidade, precisam encontrar vias de atualização nas instituições que, por definição, oferecem resistência à problematização de um giro que elas mesmas promovem – a saber, aquele que transforma a formação analítica em formatação de analistas.

Por esse motivo, no caso específico das instituições analíticas, a posição marginal de pelo menos alguns de seus integrantes parece-nos estratégica e um princípio de método. Impõe-se problematizar a margem enquanto posição que propicia a elasticidade e permeabilidade das bordas. Isso porque o funcionamento das instituições necessariamente promove a criação de um dentro e de um fora que circunscrevem limites bem estabelecidos que visam a garantir que “o bom de dentro” expulse para fora todo o mal, ao preço certamente de um incremento do mal-estar estrutural. No entanto, caso as margens desses limites venham a ser habitadas, em vez de entronizadas e enrijecidas, surge a possibilidade de uma borda permeável entre o dentro e o fora. Quando isso acontece, o que antes era fronteira/limite pode momentaneamente revelar a estrutura de borda atravessada pelo que está ao mesmo tempo dentro e fora – o lugar do marginal que não está à margem, mas na margem. Tomando a estrutura de borda como primária, pode-se derivar daí um efeito imaginário que seria a fronteira. Sendo assim, é a borda que interpela a fronteira, dado que a borda permite reviramento. Portanto, pensar a instituição analítica desde a margem oferece as coordenadas para a autocrítica na própria instituição.

Serão essas coordenadas que permitirão pensar em uma relação centro-periferia diferenciada na formação analítica. Do centro europeu (berço da psicanálise!) à periferia latina (a mão que o balança?), a questão “onde estão os analistas?” se desdobra em ao menos quatro aspectos: o histórico – onde estiveram, estão e estarão; o geográfico – nos grandes centros urbanos; o econômico – a que classe social pertencem; e o político – como se organizam e são geridas as suas instituições. A marginalidade enquanto posição consiste em reconhecer as segregações e estrangeirizações recorrentemente naturalizadas nos processos de institucionalização. A importância e os efeitos da instituição para cada analista ficam certamente na dependência dessa constituição marginal que acabamos de descrever; mas, e muito especialmente, do percurso da análise do analista para que ele consiga transitar desde uma espécie de demanda de filiação para a assunção de certa orfandade que acesse o ingresso a essa posição de margem e a variedade dos efeitos formativos que, assim definida, a instituição psicanalítica pode comportar.

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