Aos professores do Brasil e do Rio

Aos professores do Brasil e do Rio

Prezados professores, meus colegas, prezados estudantes e ex-estudantes,

estive há dois dias atrás em um encontro de educação daqueles dos quais participamos para promover a nossa lucidez conjunta. O tema de debate da mesa da qual participei era “formação de professores”. A mesa era composta por César Nunes da UNICAMP e Emília Cipriano da PUC-SP. Nesse dia fiquei muito feliz pela qualidade da conversa, pela lucidez das abordagens. Sempre comprovo que nós que trabalhamos com educação sabemos muito bem do que é preciso em termos políticos para que as coisas melhorem em nosso país. Cristovão Buarque fez a conferência final do encontro e foi muito feliz em suas observações sobre caminhos concretos em termos de projetos. Ele insistiu na questão grave do salário dos professores e no projeto de educação nacional. A postura de Cristovão Buarque é a de um sobrevivente numa ilha no mar de lama da política nacional em relação à educação. Seu isolamento é prova de que o cenário geral é realmente biopolítico e condena a todos e cada um ao salve-se-quem-puder típico de um país sem cidadania.

No Brasil, não somos apenas privados de nossa cidadania, mas verdadeiramente condenados à injustiça, à degradação moral e física pela ausência de direitos, à indignidade.

Aquele foi um bom momento para pensar em muitas coisas: políticas, éticas, estéticas…

Sou professora há 20 anos. Sempre tive muito orgulho da minha profissão. Acho nobre, digno e muito bonito ser professora. No período em que fiz televisão, continuei sendo professora. Hoje, tendo muitos outros compromissos, continuo sendo professora. Amo a minha sala de aula com meus estudantes. Nosso encontro é um encontro xamânico, de poder, de alegria, de festa e de cura. Nunca em minha vida, saí da sala de aula sem acreditar que ali eu estou construindo um mundo melhor política e existencialmente falando. Que ali estou educando para a lucidez, contra a barbárie e para além do capital. Hoje, no entanto, me senti muito pequena e em perigo real.  Ao abrir a porta às 6 horas da manhã, peguei o jornal e vi essa foto:

O choque, a perplexidade, o estranhamento. Adiei o pensamento. Segurei. Segui.

Tinha uma banca na PUC-SP que durou até o começo da tarde. Raphael Dallanese defendeu uma bela tese sobre comunicação e jogo sob orientação de Norval Baitello Junior a quem muito admiro. Foram horas de alegria acadêmica. Um bom debate é impagável. Ouvir as opiniões de outros colegas é instigante. Sempre é bom ouvir um professor falando, disso eu tenho certeza. Professores são muito interessantes, inteligentes, articulados, até mesmo sábios (e há, entre nós, até daqueles mais sábios ainda, os que riem de si mesmos). Até no mais ressentido, pois há muito ressentimento entre nós, brilha aquele fulgor de inteligência que sempre encanta.

Contudo, no fundo, no fundo, o martelo da indiganação contida desde as 6 da manhã provocava em mim uma dor de cabeça… eu nunca tenho dor de cabeça…

Era a foto.

Estou até agora tentando compreender como uma cena dessas é possível? Como um evento desses é possível? Que ódio é esse que flui nas ordens, nas posturas, configurando-se em violência aberta e mais do que cínica, uma violência que se desprende da própria condição humana e nos joga na inumanidade.

Não gostaria apenas de entender esse ódio, pois que a foto o torna explícito. Os policiais foram rebaixados pelo governo fascista a cães de caça. Neste momento falo do governo do Rio, mas existem tantos, como tivemos a oportunidade de comprovar este ano… A ditadura muda apenas de dono. os policiais foram rebaixados a fascistas miseráveis que dão prova de ignorância e insensibilidade, de miséria moral e política como aqueles que os regem.

Tivessem ido à escola, pensei eu. Tivessem experimentado o prazer da liberdade, do amor, do conhecimento. Se pelo menos ganhassem o dinheiro sujo que seus patrões endinheirados… seria mais fácil entender. Mas o poder está no governo e em cada um que a ele se submete…

Não gostaria apenas de entender. Gostaria de acabar com isso. Todos nós gostaríamos de acabar com isso, não é mesmo? De acabar com a injustiça que estamos assistindo. Com a violência que o governo fascista pratica sem sentir nada.

Como, me digam, como? Estou pronta como todos devemos estar nessa hora. Essa é a nossa pergunta e ela não poderá ficar por muito tempo sem resposta.

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