‘Teses de Lênin foram exportadas acriticamente para América Latina’

‘Teses de Lênin foram exportadas acriticamente para América Latina’
A historiadora Anita Leocádia Prestes, filha de Olga Benario (Ana Yumi Kajiki)

 

O comunismo no Brasil enfrentou contradições inerentes às condições históricas do país. Em sua disputa com os anarco-sindicalistas, os comunistas não analisaram as particularidades do contexto brasileiro e, por vezes, tentaram implantar ideais de revolução válidas somente para países europeus.

A opinião é de Anita Leocádia Prestes, historiadora, filha dos comunistas Luís Carlos Prestes e Olga Benario. Anita discorreu sobre as contradições do comunismo brasileiro na conferência “União Soviética e o Brasil”, que integra o seminário internacional “1917: O ano que abalou o mundo”, promovido pela editora Boitempo em parceria com o Sesc.

Também participaram da mesa os professores de História da USP Luiz Bernardo Pericás e Antonio Carlos Mazzeo, com mediação do jornalista Renato Rovai. Neste ano, Anita lançou, pela Boitempo, o livro Olga Benario: uma comunista nos arquivos da Gestapo, com base em mais de dois mil documentos inéditos da polícia secreta nazista.

“Astrogildo Pereira [um dos fundadores do Partido Comunista Brasileiro], pensava na aplicação da teoria marxista de forma mecânica”, afirmou Prestes, que é professora de História da UFF. “Na ausência de uma análise concreta da burguesia brasileira, o PCB importava categorias e modelos aplicados a outros países. O burguês era visto ora como revolucionário, ora como aliado do capitalismo”.

Para a historiadora, o PCB era “inconsistente ideológica e politicamente”. “As teses de Lênin foram exportadas acriticamente para a realidade latino-americana”, afirmou. “Seguiram a revolução etapista, acreditando que precisavam fazer a revolução agrária e urbana como primeira etapa da revolução comunista”.

Anita Prestes, que nasceu e viveu até os dois anos em um campo de concentração nazista, onde sua mãe foi assassinada, relembrou que o início das movimentações operárias no Brasil se deu sob orientação dos sindicatos anarquistas. Estes, em grande medida, foram organizados por trabalhadores imigrantes do sul da Europa, que traziam uma experiência ligada ao anarquismo de Bakunin e Proudhon.

Os primeiros atos públicos de operários foram organizados no país pelos anarco-sindicalistas, como as greves que ocorreram em São Paulo em 1918. Apenas em 1922 foi fundado o Partido Comunista do Brasil (PCB). Apesar da simpatia dos anarquistas pela inspiração popular comunista, eles acreditavam na luta sindical, e não na tomada do poder e construção de uma máquina estatal, como defendiam os comunistas.

Em 1929, o PCB assumiu o modelo da III Internacional Comunista, assumindo a luta de classes como princípio do comunismo e abandonando as tentativas precedentes de alianças com os tenentistas. Outro problema apontado por Anita Prestes é a adesão ao nacionalismo, que tinha ampla aceitação entre os intelectuais da época.

“Se o comunismo encontrou recepção em diversas áreas da sociedade brasileira, isso se relacionava com a ampla difusão do nacionalismo na sociedade civil brasileira”, afirmou. “Mas isso fez com que o PCB não conseguisse se transformar em um partido comunista, não conduziu, efetivamente, os trabalhadores e operariados à revolução socialista, apenas cumpriu o papel de um partido nacional-libertador”.

Prestes, no entanto, ressaltou que só aponta tais contradições para pensar em novos caminhos para o socialismo no Brasil: “Levanto dúvidas e questionamentos para ir rumo ao socialismo, que tenho plena convicção de que é a única saída para conquistar justiça social e democracia para todos os brasileiros”, disse.

Seminário Internacional 1917: O ano que abalou o mundo
Onde: Sesc Pinheiros, r. Pais Leme, 195, Pinheiros, São Paulo – SP
Quando: até 29/09

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