Em novo documentário, Ai Weiwei mostra drama de refugiados em 23 países

Em novo documentário, Ai Weiwei mostra drama de refugiados em 23 países
O artista e ativista chinês Ai Weiwei (Divulgação)

 

Uma imensa montanha de coletes salva-vidas abandonados. Uma boneca, sem pernas, jogada na praia. Crianças cobertas de lama, calçando botinas coloridas e caminhando junto a adultos sem rumo. Estas são algumas das cenas mais impactantes de Human flow – Não existe lar se não há para onde ir, documentário recém-lançado do artista contemporâneo e ativista político chinês Ai Weiwei.

O filme estreou nesta quarta (18), na 41ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e, nesta quinta (19), o diretor falou à imprensa brasileira sobre o projeto: “Eu tinha muita curiosidade sobre as 65 milhões de pessoas que perderam suas casas em conflitos e desastres naturais. Vê-las sem rumo é muito chocante. Ao mesmo tempo, a resposta europeia é igualmente chocante, pois eles não fazem muito para ajudar”.

Para compor o filme, Ai Weiwei e suas equipes de filmagem visitaram, ao longo de um ano, 40 campos de refugiados em 23 países como Líbano, Grécia, Quênia, Bangladesh e a fronteira entre o México e os Estados Unidos. O resultado é um filme que ao mesmo tempo humaniza os refugiados e demonstra a gravidade da situação por meio de cenas que acompanham tarefas rotineiras – buscar água, montar barracas, cuidar de crianças – contrapostas a longas sequências de travessias perigosas em barcos improvisados, ataques da polícia fronteiriça ou ameaças de grupos terroristas. “Este é meu trabalho: dar voz aos que não têm como falar”, afirmou.

Cena do trailer do documentário "Human Flow", de Ai Weiwei (Reprodução)
Cena do documentário “Human flow”, de Ai Weiwei (Reprodução)

Junto às imagens, Human flow traz dados assustadores sobre a situação dos refugiados ao redor do mundo: só no Iraque, quatro milhões de pessoas já foram forçadas a abandonar suas casas desde os anos 1980; 56 mil refugiados sírios, iraquianos e iranianos passam pela Grécia toda semana. Mais de 500 mil muçulmanos de Mianmar fugiram do país e, em 2016, 70 países instalaram muros em suas fronteiras – sendo que, antes da queda do Muro de Berlim, existiam apenas 11 nações cercadas. “Não é apenas um problema político, mas uma questão humanitária e moral”, afirmou o diretor. 

Mundialmente famoso por realizar trabalhos artísticos de investigação e oposição ao Estado chinês – e por ter sido preso, perseguido e expulso da China após proferir suas críticas -, Ai Weiwei disse sentir-se, ele mesmo, um refugiado: “Estudei nos Estados Unidos por 12 anos, nos anos 1980, e quando voltei me envolvi com os direitos humanos. Por isso, muitas coisas ruins aconteceram comigo e tive que deixar a China.”

Pelo tema e pela abordagem, Human flow lembra sua primeira obra a alcançar fama nacional na China, 4851, que consiste em uma lista impressa dos nomes dos mortos no terremoto de Sichuan, em 2008, informação então considerada confidencial pelo governo. Em seu blog, Ai Weiwei convocou os leitores para uma “investigação cidadã” e, em poucos dias, conseguiu cerca de 5 mil nomes de mortos no terremoto – a maioria falecida entre os escombros de construções mal planejadas pelo Estado.

Trajetória crítica

Ao longo de sua carreira, sua postura sempre foi irreverente, como mostram algumas de suas obras mais famosas: em Dropping a han dynasty urn, ele fotografou-se quebrando um vaso de dois mil anos; em Fuck you, motherland, gravou um vídeo em que dize ‘f*da-se a pátria” junto de outros artistas; em Sunflower seeds cobriu o chão de uma sala da Tate Gallery, em Londres, com sementes de girassol falsas, feitas à mão por trabalhadores chineses. “Como artista, é muito importante envolver-se em todas estas questões. E, como indivíduos, devemos agir. Não se pode confiar nas instituições, na política, eles não estão nem aí”, disse.

Em 2011, Ai Weiwei ganhou fama após ser preso no aeroporto de Internacional de Pequim sob acusações vagas de “evasão fiscal” – e passar 81 dias desaparecido, mesmo sob intensos protestos nos Estados Unidos, na França, na Inglaterra, na Alemanha e na própria China. Embora tenha sido solto no ano seguinte, o ativista permaneceu em prisão domiciliar em seu estúdio por anos, e ficou impedido de viajar internacionalmente e de se engajar nas redes sociais até 2015. Mesmo Human flow, seu projeto mais recente, foi iniciado enquanto o artista estava “preso” na China, segundo o diretor.

Nascido em 1957, Ai Weiwei é filho de Ai Qing, poeta chinês que, mesmo apoiando o regime comunista, foi exilado pelo partido e condenado, junto à família, a trabalhar no campo para “reeducar-se” – medida tomada contra muitos intelectuais durante a Revolução. Tomado pelo desgosto, o pai tentou suicídio várias vezes: “Cresci vendo as pessoas tratando meu pai como um pária durante a Revolução Cultural. Então, sempre me revoltei contra esse tipo de situação”, disse, na coletiva.

Cena do documentário "Human Flow", de Ai Weiwei (Reprodução)
Cena do documentário “Human Flow”, de Ai Weiwei (Reprodução)

Ai Weiwei também faz parte da primeira geração chinesa que estudou fora do país, depois da abertura a estrangeiros, nos anos 1970. Em 1981, ele se mudou para os Estados Unidos, onde experimentou seus primeiros protestos populares, sempre com uma câmera fotográfica à tiracolo. Nas escolas de artes que frequentou, entrou em contato com o produção crítica de Marcel Duchamp, Andy Warhol e Jasper John, proibidas na China – e, enfim, compreendeu o poder de uma obra de arte sobre os governos e a sociedade.

Ao retornar à China, pouco depois dos protestos na Praça da Paz Celestial, em 1989, o artista esperava encontrar um país mais aberto e um terreno fértil para suas críticas, mas o governo havia apertado o cerco contra intelectuais. Ai Weiwei, então, reuniu-se com colegas vanguardistas e “editou” livros secretos de arte, que circulavam secretamente entre as galerias e reuniam informações as obras “subversivas” e proibidas que ele conhecera nos Estados Unidos.

Desde então, o artista não descansou: fez de sua arte um instrumento de crítica aos abusos do governo e trocou sua câmera analógica por um pequeno smartphone com o qual continuaria a registrar seus protestos pessoais. Da paixão pela fotografia veio o amor pelos documentários: foram mais de 20 ao longo de sua carreira, principalmente sobre as questões políticas chinesas, mas também sobre o desastre na usina de Fukushima – em geral, o artista aborda temas de engajamento político ou sobre direitos humanos.

Hoje, Ai Weiwei vive na Alemanha, onde mantém um estúdio e trabalha, com mais segurança, em seus filmes. Preocupado com o que chama de um “recuo conservador mundial”, ele afirma que trabalhará cada vez mais para as “pessoas que não têm voz”: “Esse tipo de manifestação diz que não é permitido pensar livremente. Isto é extremamente perigoso para a sociedade. E é algo que eu conheço bem”, conclui.

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