Adorno: a arte como espaço de crítica e resistência

Adorno: a arte como espaço de crítica e resistência
(Foto: Reprodução)

Adorno, com suas análises sobre o universo artístico, expandiu o marxismo para além das críticas aos fenômenos políticos e econômicos do sistema capitalista. O pensador, autor do conceito Indústria cultural, é tema do curso Adorno, teoria crítica e literatura, ministrado por Bruna Della Torre, que acontecerá em outubro (05, 12, 19 e 26/10) no Espaço Cult.

Na entrevista abaixo, Bruna Della Torre comenta o pensamento de Adorno e sua relação com a literatura e as artes.

Por que podemos dizer que Adorno foi um dos pensadores que levou o marxismo a esferas menos políticas? 

Bruna Della Torre: Marx queria ser poeta. E sua obra está repleta de referências literárias. Contudo, embora ele tenha escrito sobre literatura, especialmente em sua correspondência, nem ele nem Engels desenvolveram reflexões mais extensas e sistemáticas sobre a arte, sobre a relação dos gêneros literários com o processo histórico etc. Autores como Adorno, mas também Benjamin e Lukács, mobilizaram a obra de Marx e sua dialética para pensar as formas estéticas e a história da arte como um todo. O conceito marxiano de fetichismo da mercadoria, por exemplo, assim como sua investigação da sociedade capitalista a partir, entre outros elementos, da cisão entre trabalho material e trabalho intelectual informam as reflexões de Adorno sobre o romance, sobre a autonomia da arte, sobre o modernismo, entre tantas outras. Adorno foi acusado, junto com outros autores que se debruçaram sobre a arte e a cultura, de negar a práxis, capitular diante dela e se refugiar na estética. Há comentadores que o acusam de atribuir à arte o mesmo papel que Marx conferia ao proletariado. No entanto, o que essas críticas deixam de lado é justamente o papel de autores como Adorno no alargamento do marxismo. Com suas análises sobre arte, música, literatura, Adorno leva o marxismo adiante e permite analisarmos como o capitalismo se desdobra em formas sociais para além dos fenômenos políticos e econômicos mais imediatos. Ao fazer isso, Adorno permite igualmente reconhecermos na arte um espaço de crítica e resistência.

 

Quais eram os principais questionamentos de Adorno na relação entre produção artística e indústria cultural?

O conceito de indústria cultural de Adorno é muito mal compreendido. Muita gente reduz esse conceito a uma espécie de adjetivo que Adorno criou para desqualificar a “cultura popular”. Nada mais equivocado do que isso. A “indústria cultural”, conforme o argumento de Adorno e Max Horkheimer, não é apenas a situação da arte no capitalismo tardio, mas um “sistema” de socialização formado pelo cinema, pela televisão, pelos best-sellers, pelo rádio, pelas revistas (e hoje poderíamos dizer, pelas redes sociais e pela internet). Não podemos pensar os processos de subjetivação no capitalismo, nem o autoritarismo sem ela. A indústria cultural enquanto sistema transforma toda a arte em mercadoria, não no sentido de que a arte é comercializada, mas no sentido de que ela já é produzida nos padrões industriais e orientada para o mercado. Basta pensar hoje como algumas séries de televisão são produzidas a partir de cálculos de gosto feitos por algoritmos. Isso significa que não resta nenhuma autonomia em sua produção. Mas a “indústria cultural” é apenas um lado desse processo. Uma força externa, um aparato, que substitui uma série de instâncias de socialização e que “engole” de certa forma os espaços para uma produção artística autônoma e independente. De outro lado, a autonomia da arte, conforme mostra Adorno, é um processo que sofre uma crise que não é produzida pela indústria cultural, mas que é interna a ela. Autores como Proust, Kafka e Beckett, por exemplo, para ficar na literatura, são tentativas, segundo Adorno, de produzir romance, teatro, narrativa a partir dessa própria crise.

Bruna Della Torre é pós-doutoranda no departamento de Sociologia da Unicamp e editora executiva da revista Crítica Marxista. Realizou pós-doutorado no Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da USP, com estágio de pesquisa na Universidade Humboldt, em Berlim.  Autora do livro Vanguarda do atraso ou atraso da vanguarda? Oswald de Andrade e os teimosos destinos do Brasil.


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