Toda balbúrdia será castigada
O ministro da Educação Abraham Weintraub (Arte Andreia Freire/Revista CULT)
E o prêmio Vexame da Semana do Governo Bolsonaro desta vez vai para o Excelentíssimo Sr. Ministro da Educação, o professor Abraham Weintraub. Esta semana, Sua Excelência deu um espetáculo público daquilo que constitui a essência da administração Bolsonaro, na sua compreensão do que é a coisa pública, de quais os princípios que regem as relações entre o orçamento público e as vontades e preferências dos gestores encarregados, de quais são as prioridades desta administração e de como elas devem ser implementadas. Começamos a semana sendo informados de que o ministro tomara a decisão de usar a clivagem ideológica do bolsonarismo, aplicada por decisão autocrática de Sua Excelência e baseada exclusivamente no próprio arbítrio do ministro, e bloquear, de um só lance, 30% do orçamento de três das melhores universidades públicas brasileiras: a UFBA, a UFF e a UnB.
Claro que diante de fato com tal gravidade esperava-se que um argumento republicano, um desses argumentos baseados em princípios provenientes de uma compreensão assentada da democracia liberal, autêntico ou inventado que fosse, tivesse sido apresentado. Afinal, nada é banal em uma decisão como essas, pois 30% do orçamento quase certamente significa todo o orçamento para o custeio de energia, água, telefone, internet, limpeza e segurança nos campi, uma vez que os reitores não podem cortar gastos obrigatórios com aposentadoria, salários ou assistência estudantil, por exemplo. Mas não se esboçou sequer uma tentativa de apresentar um argumento verdadeiro e aceitável fora da bolha ideológica dos fanáticos religiosos do bolsonarismo.
Primeiro, o ministro disse, em entrevista ao Estadão, que essas instituições estão apresentando resultados aquém do que deveriam “em termos de publicação científica, avaliações em dia, estar bem no ranking”. Mas os próprios jornalistas não precisaram de mais que dez minutos para demonstrar que o argumento é uma vergonhosa falácia, pois as três instituições se mantêm em destaque em avaliações internacionais feitas por instituições independentes. O ranking da reputada publicação britânica Times Higher Education (THE), por exemplo, mostra que as universidades em questão fazem parte do que há de mais qualificado e mais produtivo no Brasil.
Na verdade, o ministro não estava buscando nem um argumento factualmente verdadeiro nem um argumento politicamente republicano. Weintraub simplesmente resolveu retaliar seletivamente algumas Instituições de Ensino Superior, usando para isso o orçamento público, sem inquérito, apuração ou defesa, aliás, sem processo legal algum. Tudo com base no que ele acha e segundo exclusivamente a sua mais íntima e singular descrição. É um processo kafkiano, em que o processado não tem direito a saber da acusação, a conhecer as evidências, nem quais são os princípios que regem o inquérito. E de um autoritarismo absolutamente incompatível com o Estado de Direito, mas congruente com o estado de arbítrio: a autoridade pública usa o orçamento público como se fosse propriedade dela, para punir quem ela quiser, do jeito que quiser, sem apresentar razões, sem considerar argumentos e, sobretudo, sem ter que responder por isso.
Instado pelos jornalistas a enunciar qualquer razão para tão grave feito, Sua Excelência formula um inaudito princípio administrativo: “Universidades que, em vez de procurar melhorar o desempenho acadêmico, estiverem fazendo balbúrdia, terão verbas reduzidas”. O que significa algo como “quem não se comporta como papai quer não ganha a mesada, já que o dinheiro é meu”. E completa: “A universidade deve estar com sobra de dinheiro para fazer bagunça e evento ridículo”. Indagado ulteriormente, deu exemplos do que papai considera bagunça: “Sem-terra dentro do campus, gente pelada dentro do campus”. Papai, claro, é quem estabelece o código de moralidade, pois, afinal, na casa dele vigem regras que ele impõe. Se papai não aprova de gente nua nem do MST, eles não podem entrar no quarto dos meninos, que não admitimos pouca vergonha aqui em casa.
Por fim, acrescentou que “a lição de casa precisa estar feita” antes que filhinho faça o que quiser. Remata: “Para cantar de galo, tem de ter vida perfeita.” Papai não vai sustentar vagabundo, mas é papai quem decide, segundo os seus critérios, quem é vagabundo. Papai já havia decidido na semana passada que filosofia, antropologia e sociologia são formações inúteis, na qual ele não vai colocar dinheiro; útil é veterinária, medicina, agricultura, que dão retorno. Papai, enfim, quer escolher até a vocação e a profissão dos filhos dos outros, determinando para onde vai o dinheiro dos pagadores de impostos que, em um delírio de grandeza bolsonarista, papai acha que é dele.
Não é mais um ministro de Estado, é um pai autoritário, desobrigado de responder pelos seus atos e dar conta das razões que os motivaram. Desobrigado até mesmo de seguir a Constituição e de considerar a autonomia das outras instituições e pessoas. Não é mais um gestor público limitado pelos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, mas um autocrata para o qual o Estado e os seus recursos se dobram às suas preferências, inclusive as preferências morais.
Não adiantou demonstrar, como foi feito, com base em índices internacionais de desempenho e em avaliações de instituições independentes, que não houve queda de desempenho das universidades punidas. Papai só acredita nas suas próprias impressões, papai sabe mais que todo mundo o que é melhor para os nossos filhos. O que são avaliações internacionais ante o julgamento pessoal e subjetivo de papai?
Ante a reação pública, que não assimilou bem o uso de critérios morais punitivos baseados nas idiossincrasias morais e anti-intelectuais do bolsonarismo, pensam que Weintraub recuou? Nada disso. Terminou o dia declarando que, então, já que está todo mundo reclamando, não vai cortar o orçamento de apenas três universidade, mas de todas as instituições federais de ensino superior. E os argumentos que antes serviam para os cortes, sumiram. Em seu lugar, demonstrando que é um ministério de opiniões erráticas e improváveis, aparece então o argumento de que a prioridade do MEC agora são as criancinhas das creches e não os universitários. Que estudantes das universidades federais custam dez vezes mais que os de creches.
Bem, o número verdadeiro, segundo estudo do próprio MEC, é metade disso, mas quem se importa com verdades e fatos, quando a única audiência que lhe interessa é o bolsonarismo de mídias sociais e o seu ressentimento contra a educação, a cultura e a ciência? A tentativa de criar espanto como fato de que universitários custam aos cofres públicos mais que criancinhas de creches reflete bem a falta de qualquer argumento republicano. Por que alguma pessoa com um saudável uso da lógica e da capacidade de pensar iria ter como ideal que a formação de universitários custasse o mesmo que cuidar de criancinhas em fase pré-escolar ou na educação infantil? Ora, para resolver isso é simples. Basta cortar os laboratórios, os professores doutores, os hospitais universitários e tudo mais que onera a formação da elite nacional e trocar tudo por mingau e carinho que o custo empata. Com o troco, dá até para comprar para os universitários umas fraldas e umas mamadeiras. Sem piroca, por favor, que mamadeira de piroca papai não aprova.
WILSON GOMES é doutor em Filosofia, professor titular da Faculdade de Comunicação da UFBA e autor de A democracia no mundo digital: história, problemas e temas (Edições Sesc SP)
(2) Comentários
A Educação Infantil é a etapa mais importante da Educação Básica. Os períodos sensório motor e o pré-operatório são estágios de desenvolvimento claramente observados pelos professores desse seguimento, é a fase onde o conhecimento é construído de fato.(construtivismo; psicomotricidade). E são os estímulos recebidos na escola por bons professores, que fazem com que as crianças saiam do mundo das sensações e ações imediatas e passem a fazer uso da linguagem, das imagens mentais chegando ao pensamento lógico. Uma pena que esse ministro desconsidere a importância da Educação Infantil, considerando creches e escolas desse ramo, apenas como depósitos onde os pais colocam seus filhos para que a máquina econômica possa girar. Uma pena, que essa ideia forjada na França do século XVII, quando investiu-se no combate a indiferença e a inercia que havia em relação as crianças acometidas pela pobreza extrema colocando-as em depósitos infantis, permaneça tão fortemente no ideário de nossos governantes. A primeira etapa da Educação Básica, mediada por adultos, é o mundo do conhecimento para um ser ainda infantil. Por isso, precisa de professores capacitados, de preferencia mestres bem remunerados. A Educação Infantil precisa de estrutura cognitiva e física, a Educação Infantil precisa de campanhas públicas de valorização a capacidade dos pequenos discentes e redução de esteriótipos atrelados a ela e a seus docentes, tidos pela sociedade apenas como cuidadores, que são, mas são mais que isso, são professores da base. Oferecer 30% de recursos das Universidades Federais para entupir creches, além de uma estupidez sem tamanho e sentido, pois tira da própria educação aquilo que seria o resultado final de uma formação humana e cidadã, é ainda vexatório, porque demonstra a incapacidade que o Ministro tem de compreender as bases históricas de seu próprio cargo.
Em um pais pobre e carente de desenvolvimento com o nosso, estudar filosofia, sociologia, antropologia é para neguinho folgado que não quer nada com nada, normalmente gosta de um baseado, e não trás retorno nenhum para o país. Agora: medicina, engenharias, matemática, física, química, e outras exatas, estas sim, são importantes, Direito também já era .