O poeta palestino

O poeta palestino

 

O poeta-palestino vomitou sete vezes na madrugada. Não podia nada e já não tinha cabeça para guilhotinas. O leite estragado do Cenouro varria a tábula rasa, a tábula escrita e as outras tábulas. Não havia Moisés que desse com uma nova edição do mosaico revisitado noutra configuração. Vinha tudo pelo pager dourado, besuntado em conjunto pelos dedos do Cenouro e do Deusdeu, para ser enfiado no rabo dos bebês palestinos. Só estourariam quando aos nove anos de idade, tivessem a primeira aula de história, memória e conciliação. Uns terroristazinhos. O homem boquete somos todos nós, decretou o Algoz, bradou contra os terroristas e abriu a braguilha em júbilo e regozijo. O Cenouro ordenou de um talho cortarem a cabeça presente dos homens e atualizarem os crânios por mecanismos mais adequados. Nossa consciência jamás será a sua. Depois, cada um de nós foi algemado, acorrentado para a Zona do Mato, Governador Valadores e Guantanameros Dolores, Abissais Canaviais nas Rivieras de Gás e nos Desertos de Sal. Nada mal para uma viagem de graça, vociferou ganindo o Patriarca Cenouro, mas o poeta palestino vomitou sete vezes na madrugada, virado para Meca enquanto a chaga do polônio 210 fazia o seu trabalho. Nada vingava na alma avinagrada ou no bucho do poeta radioativo, convidado a um verso, um peido ou um dístico, qualquer coisa que equivalesse a Perdão. Sentiu o perigo, cerrou suas mãos e morreu dignamente. A mulher disse: basta entre todos desta senzala reestilizada, nós seremos as fora-da-lei. Nenhum suluk vomitará pavor quando o Deusdeu, o patriarca do Horror, atirar o seu leite fétido do céu para transformar toda merda em licor. Nenhum suluk vacilará ou recuará em meio à chuva, o fascistojudeu Deusdeu remexerá os esfinceters à procura da arma ideal e defecará ritmado na nascente do nosso rio intangível, sua massa líquida e esverdeada, das cores da Palestina. Mas ninguém entre nós recuará um só passo. Ninguém!

Wilson Alves-Bezerra é poeta, tradutor e professor de literatura. Ganhou o prêmio Jabuti (Escolha do Leitor), pelo livro Vertigens (Iluminuras, 2015). É autor ainda de O Pau do Brasil (2016-2020), Malangue Malanga (2021), entre outros títulos.

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