BBB e os mil tons de brancos
O BBB 21 faz parte da tragédia e do aprendizado que atravessamos enquanto país e cultura (Foto: Reprodução/ TV Globo)
Os mil tons de brancos! Precisou um homem branco falar para que o outro brother branco ouvisse. Mas a fala do apresentador Tiago Leifert no programa exibido nesta terça (6), ao invés de explicitar um ato de racismo puro e simples, tratou de amenizar, contextualizar e lembrar que “não vejo maldade no que você fez”, reafirmando a hoje inaceitável expressão “não foi intencional” ou ainda “é só uma brincadeira”, “meu pai tem cabelo black power”, “sou do interior” etc.
São mil tons do racismo ou do machismo, são mil tons de desculpas cotidianas para não encarar a violência que é assujeitar o outro e desqualificá-lo, seja pelo que for. Quando nós, brancos, vamos parar de nos afagar, mesmo no racismo, assim como homens se protegem no machismo e em tantas outras confrarias nas quais se juntam para exercer seu poder?
Mas a fala do apresentador do Big Brother Brasil 21, Tiago Leifert, “de homem branco para homem branco” (sou só eu que tenho horror dessas expressões que apelam para a nossa razão de brancos ou de machos etc?) acaba, até por contraste, mostrando que esse Brasil cordial e conciliador deu errado, e que radicalizar, explicitar, expor, também pode ser pedagógico.
A fala dura e a emoção de João Luiz Pedrosa explicita o racismo que sofreu. A fala e a reação de catarse de Camilla de Lucas demonstra que não aguenta mais explicar o racismo cotidiano cometido “alegremente”, “sem intenção” para brancos que se defendem afirmando sua alienação: “eu não sabia”. A questão faz transbordar o choro contido e represado, a raiva de ter que suportar o racismo no corpo, no cabelo, na pele, na existência.
O que tem acontecido no BBB 21 não é “menor” e nem mimimi, nem pouco importante, mesmo no meio de uma pandemia com 300 mil mortos. Mesmo que seja sim um programa de entretenimento e que lucra com o sofrimento de negros, com tretas, com situações humilhantes, com a audiência que quer “ver sangue”.
O BBB 21 faz parte da tragédia e do aprendizado que atravessamos enquanto país e cultura. Precisamos de formação, educação, ativismo, mudanças nos padrões da cultura do entretenimento para dar um salto como sociedade, pois existem muitas maneiras de matar e elas estão no cotidiano.
Para concluir, temos uma fala do brother Rodolffo, o cantor sertanejo que fez o comentário racista sobre o cabelo de João, justificando-se: “eu sou chucro, eu sou do interior, essas modernidades [o combate ao racismo!] não chegaram em um Brasil profundo, puro e conservador, sem ‘maldade'”.
A questão é que não existe mais lugar para esse brasileiro “inocente, puro e besta” como o da letra da música. Se existe, ele foi abduzido por fake news massivas no Whatsapp, adotou valores de extrema-direita, reafirmou seu poder branco quando achou confortável e quando se viu representado por um presidente da República que deu voz ao que tínhamos de pior, que deu poder real e simbólico para um Brasil profundamente conservador que já existia, mas que foi chancelado e pôde exercer seu poder de morte em praça pública.
Muitos se identificam com Rodolffo, infelizmente! Temos um presidente “chucro” que, em nome da sua ignorância e “autenticidade”, em nome do seu racismo, misoginia, lgbtfobia “de raiz”, “de família”, defende tortura e mata de forma real e simbólica ao usar sua pretensa “ignorância” como base de políticas públicas e no comando de um país. Esse é o real tamanho do estrago dos Rodolffos – e não adianta dizer que “não é intencional”, pois é muito pior : é estrutural e destrói a vida de milhões.
Todos os tons de branco estão envolvidos nesse massacre e é pedagógico que a gente entre nesse debate não apenas “de brancos para brancos” em uma conversa condescendente entre pares, mas de brancos antirracistas que combatem o racismo dos brancos. O racismo não é um problema dos negros, mas nosso.
Ivana Bentes é pesquisadora do Programa de Pós Graduação da Escola de Comunicação da UFRJ