País da morte: um poema de João Mostazo
Vista aérea de funcionários cavando túmulos no cemitério da Vila Formosa, em São Paulo (Foto: Nelson Almeida)
País da morte
País da morte,
morto país.
Só dando a volta
consigo sair.
País onde a morte
é ir sem partir,
país sem coveiro
pra te redimir.
Onde morrer
é dar sem parir
o corpo à vala.
País onde a vala
não quer digerir.
País da morte,
morto país,
só dando a volta
consigo sair.
País da morte,
de ausente país,
suas urnas de sal
queimar, omitir.
País, com que dentes
de morte sorrir?
País e daí?
País sem país.
País cuja alma
ao corpo país
não quer aderir.
País, que país
cogitar, construir?
Do oculto cimento,
país, te extrair?
País, o cimento,
o seu documento,
não sabe mentir.
País, te intuir
debaixo do chão.
Pra onde, país,
vão convergir
seu bruto produto,
seu fruto, seu grão.
País da morte,
de fóssil existir,
de que carvão
te abstrair?
País, como não,
amanhã, te trair?
João Mostazo é poeta e dramaturgo. Escreveu e produziu os espetáculos Fauna Fácil de Bestas Simples (2015), A demência dos touros (2017) e Roda Morta: uma farsa psicótica (2018). Publicou Poemas para morder a parede (7Letras, 2020).