Sergio Moro Bolsonaro

Sergio Moro Bolsonaro
O ministro Sergio Moro em cerimônia de entrega do Selo Nacional de Responsabilidade Social pelo Trabalho (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

 

“É no porrete ou na cenoura.”

Desavisado, o leitor que ouvisse essas palavras vulgares dirigidas à forma de conter a disciplina carcerária, poderia se lamentar de mais um arroubo do presidente Bolsonaro, exortando a violência, agora contra presos.
Infelizmente, as palavras não eram de Jair.

O ministro Sergio Moro as proferiu durante palestra no Fórum de Investimentos Brasil, pouco depois de afirmar desconhecer a existência de tortura pela força que mandara ocupar os presídios do Pará.

Na ação de improbidade movida pelo Ministério Público Federal, que levou ao afastamento do comandante da Força-Tarefa, alguns relatos candentes, de que os presos “são obrigados a ficar pelados ou somente de cueca, descalços, molhados, sujos pelas necessidades fisiológicas”; de que estão “apanhando e sendo atingidos por balas de borracha e spray de pimenta, de modo constante”; e de que as detentas “são colocadas em formigueiro, locais com fezes de ratos e sob o chão molhado”, entre outras barbaridades, como a de policiais quebrando dedos dos presos.

A forma grosseira e intimidatória a responder uma denúncia do MPF (a mesma instituição a que Moro atuou como parceiro e coach no processo da Lava Jato), mostrou que de fato alguns limites foram superados pelo ex-juiz.

É exagero dizer que somente agora descobrimos o potencial autoritário de Moro.

A multiplicidade de funções que assumia na Operação Lava Jato, de investigador, acusador e até carcereiro, já era um sinal de desprezo aos limites que dão conta da democracia.

A busca do apoio popular como forma de legitimação dos procedimentos questionáveis e das rigorosas sentenças, calcada no exemplo das Mãos Limpas italiana, que não se cansava de repetir, era outra pista do quociente autoritário. Na contenda atual contra o STF, Moro representa a “vontade popular” em face de um tribunal ferido que se esforça para tentar recuperar seu viés contra majoritário na esfera criminal.

Mas quem podia prever que ao aderir sem restrições à luta política, às entranhas do sistema carcomido que jurava pretender reparar, às loucuras do chefe, a quem chamou de “moderado” quando aceitou o ministério, ele se colocaria em condições de assumir o lugar de herdeiro do bolsonarismo.

Esperava-se, enfim, que o “técnico” Sergio Moro, o pós-graduado em Harvard, o professor de uma conceituada universidade federal, o ministeriável do STF, tivesse condições de civilizar os exageros do capitão, ou pelo menos a eles não se entregasse de peito tão aberto. Mas o tempo se encarregou de desfazer também essas esperanças.

Logo de início, uma divergência acerca do volume de armas a serem recolocados no mercado pela ampliação da posse. Moro sucumbiu. Sua manifestação inicial de relutância sobre a ampliação da “excludente de ilicitude” foi literalmente para o vinagre. Ao defendê-la na Exposição de Motivos que acompanhou o tal Pacote Anticrime, Moro foi além das próprias explicações do chefe, exibindo todo o potencial discriminatório da proposta:

“O agente policial está permanentemente sob risco, inclusive porque, não raramente, atua em comunidades sem urbanização, com vias estreitas e residências contíguas. É comum, também, que não tenha possibilidade de distinguir pessoas de bem dos meliantes. Por tais motivos, é preciso dar-lhe proteção legal a fim de que não tenhamos uma legião de intimidados pelo receio e dificuldades de submeter-se a julgamento….”.

Moro foi humilhado na recusa da nomeação de uma suplente para o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Foi vencido na questão do COAF, órgão que pretendeu manter sob suas mãos, talvez pela lógica dos questionáveis serviços que a Lava Jato buscara por debaixo dos panos, extraoficialmente. E não tem tido sucesso em levar adiante uma reforma penal que o mais conservador dos diários paulistas, o Estado de S. Paulo, sugeriu simplesmente que fosse jogada no lixo.

Mas, como convém a uma relação de tapas e beijos, entre políticos que dividem parcerias no presente, e ao mesmo tempo competem pelo futuro, Bolsonaro levou Moro a tiracolo ao jogo do Flamengo para prestigiá-lo, no momento mais delicado das denúncias da Vaza Jato; Moro agradeceu defendendo a regularidade da campanha eleitoral de Bolsonaro, quando vieram à tona acusações fundadas de uso de Caixa 2. E se omite com regularidade quanto o assunto é Queiroz, Flávio, rachadinhas e etc.

A amizade está entremeada da cálculos, é verdade. Mas o que mais liga Bolsonaro e Moro hoje não são as juras de amor, as referências elogiosas que compartilham em meio a silêncios reveladores e escaramuças nos bastidores. É a assunção de Moro pelo discurso da negação, o afastamento dos pruridos sobre violência e a adesão irrestrita à discriminação. O rompimento dos limites entre a defesa de um programa e a advocacia dos erros pretéritos. Enfim “às favas, os escrúpulos da consciência”, como diria Jarbas Passarinho, ao aceitar o AI-5.

O porrete de Moro é o passaporte para a assunção do mais importante cargo em sua brevíssima carreira política: o de 04.

MARCELO SEMER é juiz de Direito e escritor. Mestre em Direito Penal pela USP, doutor em Criminologia pela USP, é também membro e ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia.


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