ASTRO – Um fábula urbana em um Rio de Janeiro Mágico de Paula Trabulsi
Assisti ontem à noite com a turma de Filosofia e Cinema ao filme ASTRO – Um fábula urbana em um Rio de Janeiro Mágico, da diretora Paula Trabulsi. O filme pode ser visto no cinema do Itaú da Rua Augusta em SP. Quem quiser saber um pouco sobre ele, pode visitar o site: http://astrothemovie.terra.com.br/
Uma das coisas boas de navegar no site é que se pode conhecer melhor os artistas visuais que participam do filme. Na sessão de ontem tivemos a sorte de ver a performance de um deles, o Shima (Marcio Shimabukuro). O argentino Defi Gagliardo estava lá também e pintou um quadro na nossa frente, ali na entrada do cinema.
Particularmente, gostei muito desse encontro do cinema com as artes visuais. O modo como no filme a diretora inseriu os artistas que, segundo ela, são um dos pilares do filme, foi generoso e, a meu ver, ponto alto da estrutura narrativa que sempre é tão importante no cinema. Só que, em vez das artes visuais simplesmente costurarem o que vemos, o que elas fazem ali é justamente abrir uma costura existente e, assim, permitir que o filme não seja só um objeto ao nosso olho voyeurista. Enquanto a narrativa de ASTRO constrói algo para o nosso desejo de entendimento, os inserts das artes visuais desconstróem o entendimento e o filme cresce aos nosso olhos deixando-nos bem pequenos, transformados num puro olho que alcança muito pouco do que deseja. A beleza está toda ali, mas nossa razão não acompanha a sublimidade do que vemos e ficamos perdidos, como estrelas piscando no céu sem quê, nem por quê…
Essa sensação que pode ser de angústia para uns (o ponto onde não gostamos do filme porque não o apreendemos) é o melhor da arte.
Quem gosta de cinema é sempre meio voyeur, ou seja, alguém tomado pela curiosa necessidade de uma cena diante de si. No fundo, talvez o que queiramos do cinema (e da pintura e das outras artes) seja a submissão da cena ao nosso desejo de identificar as coisas. As artes mostram que o mundo não se curva ao que podemos explicar dele. Não está submetido ao nosso desejo de identidade. Aquele de encontrar um lugar para si, que implica também ter posse de algo. O filme nos dá um pouco disso, mas bem pouco. E acaba por nos levar a um caminho inesperado.
O grande tema de ASTRO é o outro. Assim é que o estranhamento nos conduz: temos o Rio de Janeiro, mas ele é nublado, o turismo possível é pelo centro, entre camelôs e churrasqueiros assando seus gatos. Se o filme nos mostra o Rio de Janeiro em torno de Astro, a garota sueca que vem em busca de uma herança, é só porque este Rio é outro, não serve à pornografia habitual com que é exposto para inglês ver.
O Rio não é o do estereótipo. Os personagens também não. Embora haja uma lógica interna ao filme em que a protagonista, Astro, e sua “fabulosa” amiga Alice que lhe serve de anjo da guarda, represente de certo modo um clichê – o da nórdica fria e racional Astro versus a tropical, calorosa e alegre Alice – o que temos é da ordem de um encontro que vai se construindo de modo sutil. As duas não se tornam amigas senão muito aos poucos. Ao mesmo tempo, não há uma oposição tensa entre elas. Alice – sim, meio tropical, mas meio L. Carrol – apenas conduz Astro àquela parte da vida que é feita de afeto e fantasia. A solução narrativa que tende à fábula permite que o nonsense, o sem fundamento, o que não tem porquê, simplesmente se estabeleça. Neste ponto, onde o filme não seria mimético da vida, ele é. E talvez o que possa nos dizer é que há mais fantasia entre o céu e a terra do que supõe a filosofia.
Eu gostei do céu. Hoje de manhã, ao acordar, tendo saído do cinema ontem cheia de dúvidas, animada ainda pelo bate-papo com a Paula Trabulsi e com o nosso grupo – com as ideias me batendo à porta da imaginação – dei-me conta de que o filme começa com um céu cheio de estrelas e termina nele. Nós que vemos a fábula estamos no céu.
Se a chave de leitura de um filme nunca está fora dele, a constelação é o sentido de ASTRO. Astro é uma estrela “dormente”, mas ASTRO é uma metáfora de uma vida que encontra a arte e nem sempre sabe disso.
A estrela dormente pode acordar num céu cheio de estrelas. A vida é uma constelação. As outras estrelas são os personagens todos. No filme eles aparecem bem pouco, como que piscam no céu. Se Astro é a estrela, uma estrela é cada um e todo mundo. E despertar é uma potência coletiva. Astro despertou, quase sem dor porque havia amor ao seu redor (aquele amor brasileiro, receptivo, caloroso, aquele afeto todo generoso que os brasileiros dão aos estrangeiros e que, infelizmente, tantas vezes falta dar a si mesmos). Quando não há amor, só a frieza, as estrelas simplesmente continuam sua hibernação. Podemos pensar: quanta gente vivendo no frio interno aos trópicos…
Mas as estrelas somos também nós que vemos o filme e que, com um pouco mais de fantasia, ou seja, de amor no coração, talvez possamos inventar uma vida mais bonita. Bonita como o filme.