Privado: Sobre Filosofia Pop – evento da semana da UFSC
Entrevista que dei para a Carol Macário do Notícias do Dia de Santa Catarina
Marcia Tiburi abre hoje a segunda edição do encontro Filosofia Pop, na UFSC
Em entrevista ao ND, a filósofa, artista e escritora disse que filosofia é a única felicidade possível no mundo contemporâneo
Os males do nosso tempo são todos. A filósofa, artista e escritora gaúcha Marcia Tiburi, 43, não tem papas na língua para filosofar alto (opinar jamais, porque segundo ela a opinião não vale nada do ponto de vista de uma busca pela verdade) sobre o mundo contemporâneo e concluir que o homem continua sendo lobo do homem. Ela é convidada para abrir o Filosofia Pop 2.0, evento que se propõe a promover um diálogo em torno de questões filosóficas e contemporâneas. O encontro começa hoje, no auditório do CFH (Centro de Filosofias e Humanas) da Universidade Federal de Santa Catarina, e segue até sexta, com palestras que passam pela poética amorosa de Nelson Rodrigues, terrorismo jurídico e até as fronteiras entre o clássico e o pop.
Em entrevista ao Notícias do Dia, Marcia Tiburi falou que a chamada filosofia pop será responsável por uma revolução suave no mundo. “Filosofia é a única felicidade possível. Não encontrei nada, nem show de Elza Soares ou de rock que supere em termos de realização pessoal uma aula de filosofia”, disse. Autora de mais de 20 obras, entre romances de ficção e ensaios de filosofia – um deles, “Filosofia Brincante” (Editora Record, 2010), foi indicado ao Jabuti na categoria “livro infanto-juvenil” em 2011 –, ela refletiu sobre moral, ética, popularização da filosofia e como a própria escola não emancipa os indivíduos com relação ao poder e dominação dos mais fortes.
Além dela, o encontro terá palestras dos professores Celso Braida, Roberto Wu, Claudia Drucker e Maria de Lourdes, todos da UFSC, além de Marcos Carvalho Lopes (Unirio) e do músico Alberto Heller.
Afinal, o que é filosofia pop
O termo parece que não é acadêmico, mas é. Foi o filósofo Charles Feitosa, da Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) que em 2001 levantou essa questão. Mas já para Gilles Deleuze (1925 – 1995) toda a filosofia é pop. Segundo Feitosa, tem dois tipos de filosofia pop. A “pop 2” está relacionada à facilitação da filosofia, uma conversa que se chama de filosofia, tipo Allain de Botton, que é muito ruim e não interessa. Já o “pop 1” é no sentido de uma filosofia que se envolve e reflete sobre seu tempo, inclusive a cultura e a arte pop. Não tem a ver com o termo “popular”.
Filosofia e seus conteúdos desprezados
Os conteúdos desprezados da filosofia são aqueles que não refletem o pensamento elitizado. Quando se pensa no que é desprezado, tudo que é da cultura é desprezado. E o grande guarda-chuva do desprezo é o capitalismo. No sistema capitalista o capital é como um deus, e tudo se relaciona com ele. E o que é desprezado nessa cultura? A pergunta sempre é: bunda vende? Filosofia vende? Música, moda, isso tudo vende?Todas as coisas que existem sempre são mensuradas com relação a um capital.
Por uma popularização da filosofia
Por que as pessoas no dia-a-dia não fazem uso da filosofia? Por que as pessoas não pensam? Por que as pessoas se entregam à desinteligência, à ausência de pensamento? Filosofia é uma prática de vida, que torna as pessoas mais inteligentes e com moral. Popularizar essa prática é um tremendo problema, porque a filosofia se autorrepresenta como uma esfera elitista e separada do mundo em que se desenvolve. A questão é: você acha que consegue trazer arte, física, literatura para cotidiano? Há, parece, um grande problema em trazer para a vida os bens culturais. Mas filosofia é todo um método de pensamento, não um bloco fechado
Menoridade intelectual
Para Immanuel Kant (1724 – 1804), as pessoas eram culpadas de sua própria menoridade intelectual. Já durante o Iluminismo filósofos reclamavam de que os homens não exerciam sua razão. E preocupar-se com nosso cotidiano e mundo está fora dos nossos hábitos.
Mas as pessoas não refletem sobre isso. E a escola não emancipa os indivíduos com relação a essa dominação do gigantesco “aparelho dominante”, como dizia Adorno (1903 – 1969).
Males do nosso tempo e a coragem de pensar
Os males do nosso tempo são todos. Nada mudou. O homem continua sendo lobo do homem. As pessoas ainda vivem uma relação de dominação. O que sobra? Aulas de filosofia (gargalhadas). Diante disso, coragem de pensar é o desafio de desobedecer o senso comum e o senso acadêmico. A filosofia pop faz isso, desobedece a academia. Por isso acho que ela fará uma revolução suave: fazer do método de pensar uma prática de concretude do mundo.
O que é o ser moral
A moral é algo complicado na filosofia. Mas existe a diferença entre a moral e a ética. Por exemplo, Nietzsche (1844 – 1900) faz uma crítica interessante no sentido de tudo que é moralista. O moralismo é um conjunto de valores preestabelecidos que estão valendo e em cima do qual se constroem os preconceitos. O deputado Marco Feliciano, por exemplo, é moralista do pior tipo. O mundo dele já está pronto, ele já explicou tudo do seu jeito, ele é o rei do lixo político nacional. Agora ética é algo sério em nossa época. É nossa autorreflexão sobre o que fazer. Se você tem ética, não tem dominação. E a ética não está separada da estética.
Opinião versus Análise Crítica
Eu não dou opinião, eu faço filosofia. Eu não costumo opinar, mas faço análises críticas. A opinião não vale nada do ponto de vista de uma busca pela ciência, pela verdade. Eu trabalho para desmanchar opiniões. O que se vê por exemplo nas redes sociais é a emissão de qualquer discurso, qualquer coisa dita está valendo e essas coisas não valem nada. A opinião é uma merda.
Diferentes formas de se expressar
A vida da imaginação se expressa de diferentes formas. Faz parte da minha história as artes visuais. Fiz faculdade de artes plásticas, estudei desenho. Ao mesmo tempo sempre gostei de escrever narrativas. É o meu jeito de ser. Eu imagino e concretizo. E acho que o romance é um espaço que agrega a expressividade das artes e traz a filosofia. Não existe romance sem filosofia.
Sobre a TV e o programa “Saia Justa”
Tudo o que descobri foi ótimo nos cinco anos que participei do programa “Saia Justa”. Sou filósofa, gosto da verdade. Sou daquela que, se tivesse que escolher entre a pílula azul ou a pílula vermelha, como em “Matrix”, escolheria a vermelha. Eu não vejo TV, não tenho TV e se não fosse o “Saia Justa” não teria escrito o livro “Olho de Vidro”. Talvez hoje eu tivesse um programa com outros filósofos ou intelectuais, pessoas que queiram falar sério, falar sobre o que importa.
Para quem tem medo de filosofia
Recomendo dois livros meus: um para crianças, “Filosofia Brincante” (Editora Record), e “Filosofia em Comum” (Editora Record), uma porta de entrada para a experiência filosófica.
Programação – Filosofia Pop 2.0
PROGRAMAÇÃO
Quarta, 24/4
19h – Marcia Tiburi: A filosofia e seus conteúdos desprezados – fundamentos de uma Filosofia Pop
Quinta, 25/4
15h – Roberto Wu: Lugares de indeterminação na obra musical
16h30 – Alexandre Meyer Luz: Oss – A Filosofia visita o Dojo
18h30 – Claudia Drucker: “Toda mulher gosta de apanhar?” – A ética amorosa de Nelson Rodrigues
19h45 – Maria de Lourdes Borges: Sobre o terrorismo jurídico
Sexta, 26/4
15h – Celso Braida: A atual constituição de si por meio da retocável imagem da perfeição técnica
16h30 – Alberto Heller: Clássicos e Pops: a quem (ainda) interessa estabelecer fronteiras
18h30 – Marcos Carvalho Lopes: Sobre ‘índios’, dândis e vampiros: Legião Urbana e Engenheiros do Hawaii como Filosofia