A recente crise francesa

A recente crise francesa

O movimento da primavera de 2009 na universidade e nos institutos de pesquisa franceses

Yves Cohen

Desde o dia 2 de fevereiro deste ano, um amplo movimento de protesto se desenvolveu nas universidades e no mundo da pesquisa na França. Ele assumiu com frequência a forma da greve, mas também buscou outras formas de protesto. Os pesquisadores e os professores-pesquisadores enfrentam uma enormidade de ações governamentais que buscam reorganizar totalmente a pesquisa e o ensino superior. O que se teme é a perda do potencial da pesquisa francesa, bem como do trabalho dos universitários em geral. Reformas prejudiciais também ameaçam a formação dos professores das escolas e as condições do doutorado.

Entraves ao controle da pesquisa

O CNRS (Centro Nacional da Pesquisa Científica) existe desde 1939. Esse centro público organiza, dirige e avalia pesquisas em todas as áreas e emprega mais de 12 mil pesquisadores. Estão previstas a sua transformação em vários institutos e subsequente distribuição dos novos centros entre as universidades, o que vaticina o fim de uma política de controle da pesquisa pelos próprios pesquisadores e a extinção dos empregos de pesquisador em tempo integral que caracterizavam o centro.

Apesar das aparências e dos discursos, não se trata de uma descentralização. Uma “agência de meios” foi, com efeito, criada há alguns anos para financiar uma parte importante da pesquisa. Essa agência se baseia no princípio do projeto e apenas financia projetos de três anos (a duração é uma questão importante porque, por um lado, normaliza a atividade de pesquisa em todas as áreas, o que é uma contradição a tudo o que se sabe sobre as práticas científicas, além de por outro lado, prejudicar a formulação de trabalhos mais amplos). A nova agência aumenta muito a instabilidade dos empregos. É verdade que ela permite a ocupação de pesquisadores com contratos temporários, porém à custa do emprego de pesquisadores permanentes nos laboratórios do CNRS. O risco é a maioria dos pesquisadores tornar-se trabalhadores temporários. Ademais, o futuro CNRS disperso não mais avaliará ele próprio os seus trabalhos. Outra agência nacional de avaliação foi criada para todo o sistema francês de pesquisa e de ensino superior. Os universitários e pesquisadores avaliadores já não são eleitos, e sim nomeados; os critérios de avaliação tornam-se essencialmente quantitativos. O protesto dirige-se também contra isso.

Autonomia ameaçada

Os problemas das universidades são maciços. Uma lei sobre a autonomia das universidades suscita fortes reservas. Ela vai aumentar a dependência em relação à malha econômica privada das regiões. Vai haver muita pressão para que se priorizem respostas às demandas imediatas da economia, em detrimento de projetos de longo prazo e menos “aplicados”. O reitor da universidade é visto como um gerente com poderes exagerados, sobretudo no que concerne à gestão dos funcionários. Um decreto de aplicação dessa lei provoca a maior inquietação entre os professores-pesquisadores. Se a divisão entre ensino e pesquisa era antes determinada pelos textos, agora ela vai se tornar “modulável”.

O decreto traz algumas garantias para que a modulação não fique inteiramente nas mãos dos reitores, mas estes últimos dez ou 15 anos mostraram que é cada vez mais difícil manter uma parte elevada da pesquisa considerando-se quanto aumentaram para todos as taxas pedagógicas e administrativas. Esse estado de coisas tende apenas a se agravar, ainda mais quando se sabe que as transformações do CNRS vão pesar diretamente sobre as universidades. Numa rejeição ao que lhes parece uma centralização exagerada, Sarkozy e seus ministros pretendem imitar a organização liberal do ensino e da pesquisa nos Estados Unidos. Justo agora que os americanos abandonam esse modelo. Sua política é contraditória: mais autonomia às universidades, mas também mais controle centralizado sobre os orçamentos de pesquisa e sobre as avaliações.

Desde fevereiro, há um movimento articulado em toda a França. Inúmeros professores fizeram greve. Outros substituíram seus cursos e seminários por intervenções e discussões sobre a situação universitária e também sobre a situação social como um todo. Na minha faculdade, muitos de nós “mudamos o programa”, organizando sessões de reflexão sobre o movimento, sobre os políticos e as reformas (por exemplo, sobre a ascensão do espírito gestor no gerenciamento público da pesquisa). Grandes debates públicos foram organizados. Os estudantes aderiram à greve dos professores, bem como muitos funcionários.

A postura policial

Diversas universidades foram ocupadas em diferentes períodos. Como já havia ocorrido recentemente, em novembro de 2007, a polícia interveio várias vezes para dispersar os manifestantes (em Caen, na Sorbonne e, sobretudo, na Toulouse Le Mirail, universidade ocupada do mês de março ao dia 5 de junho, etc.) A situação aproximou-se portanto do que ocorreu na USP. Na França, as “franquias universitárias”, que, desde a idade média, procuravam impedir que a polícia ultrapassasse as fronteiras da universidade, foram abolidas de fato em 1968 e nos anos seguintes. Legalmente, a entrada da polícia nas universidades era possível sob demanda expressa das próprias autoridades universitárias, mas isso não ocorria nunca. Porém, aconteceu tantas vezes desde 1968 de a polícia ocupar uma universidade para impedir os piquetes de greve que isso já não é mais tão escandaloso como no Brasil.

Os franceses, e entre eles os intelectuais, já estão acostumados. Em 2007, a Sorbonne em greve foi encerrada numa cortina de ferro: grades metálicas com a altura de dois andares e veículos de polícia barravam todas as ruas que davam acesso à cidade universitária. Ninguém se manifestou contra essa ocupação. No Brasil, ao contrário, o que se apresenta imediatamente nesse caso é o espectro da ditadura. Na França, houve interpelações, mas as pessoas interpeladas não ficaram presas muito tempo. Se de fato houve bate-bocas entre policiais e estudantes e expulsões um pouco enérgicas, não houve violência como a do episódio do 9 de junho no campus da USP, com bombas de gás lacrimogêneo lançadas no interior da universidade e vários feridos. No entanto, isso não basta para concluir, a partir desse único caso preciso de lutas universitárias, que a França é o país da liberdade e o Brasil, o da violência do Estado.

Outras ações foram levadas a cabo. A sede do CNRS foi ocupada por um dia por pesquisadores. Diversas reuniões do conselho administrativo dessa instituição foram perturbadas por colegas em manifestação (uma reunião, no fim de junho, chegou a ser transferida para Genebra para evitar tumultos com os pesquisadores enraivecidos). Uma “ronda” de protesto de professores e de pesquisadores em volta da praça da prefeitura de Paris durou mais de dois meses. Algumas cidades do interior também organizaram a sua. Várias manifestações de rua importantes ocorreram. As mais bonitas foram quando o cortejo de universitários se integrou a manifestações interprofissionais mais amplas, como em março ou em maio. Dois “Academic Prides” desfilaram em Paris em 27 de maio e em 4 de junho. Agora o movimento empalideceu e quase se interrompeu. É o fim do ano universitário. Para não prejudicar os estudantes, a maior parte dos grevistas aceitou aplicar os exames. No fim das contas, o movimento não teve força suficiente para interromper as reformas de Sarkozy, tão ameaçadoras para a pesquisa e para o ensino superior na França.

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