Incerto amanhã

Incerto amanhã

Marcos Flamínio Peres

Considerado um dos mais importantes e enigmáticos poemas já escritos em língua inglesa no século 20, A Era da Ansiedade, de W. H. Auden (1907-1973), enfim ganha uma edição definitiva. Histórias de mistério, teorias arquetípicas de Carl Gustav Jung, misticismo, fusão de gêneros e tensões linguísticas entre Inglaterra e Estados Unidos acumulam-se nesse longo poema publicado em 1947.

O ponto de partida para o poema (leia trecho traduzido na pág. 34) foi o período que Auden passou na Alemanha logo após o fim da Segunda Guerra, enviado por uma instituição norte-americana para observar os efeitos psicológicos devastadores do conflito. Deu-se conta, horrorizado, de que as ansiedades provocadas pela guerra não se evaporaram quando ela chegou ao fim – ao contrário, se acentuaram.

Ao contar a vida de quatro personagens reunidos em um bar da Terceira Avenida, em Nova York, Auden descreve a mesma sensação de vazio e perda de sentido da vida que tomaria conta dos sobreviventes do genocídio nazista – algo que a filósofa Hannah Arendt também retrataria em Entre o Passado e o Futuro (Perspectiva). Os dois, mais tarde, acabariam por se tornar íntimos.

Admirador de Freud, o poeta anglo-americano acabaria por rejeitar a psicanálise após sua conversão ao cristianismo. Também temia a tecnocracia que começava a se instalar nos postos-chave das univesidades do país, pois, dizia, o estudo das artes e humanidades estaria sob risco.

Alan Jacobs, professor de literatura no Wheaton College (EUA) e organizador desta edição crítica de The Age of Anxiety (Princeton University Press, 200 págs., US$ 22,95) diz à CULT, na entrevista abaixo, que o poema prefigurou o mal-estar dos tempos pós-modernos.

CULT – No poema, Auden previu – ou “espelhou”, como o senhor diz – a ansiedade pós-moderna?

Alan Jacobs – Sem dúvida. Ele compreendeu que, após a guerra, também chegaria ao fim o sentido de uma finalidade comum que todo conflito fornece às sociedades – mesmo sendo injusto. Hannah Arendt também escreveu sobre o vazio que muitos membros da Resistência francesa sentiram quando Hitler foi derrotado – “O que fazer agora?”.

Essa falta de finalidades claras torna as pessoas ansiosas. Na verdade, eu diria que uma das razões pelas quais as pessoas apoiam a guerra, mesmo quando não deveriam fazê-lo, é porque ela lhes proporciona o sentimento de que a vida tem algum sentido. Acho que isso também é verdade hoje, especialmente nos EUA e em partes da Europa, assim como foi no tempo de Auden.

Ele também se deu conta de que a ansiedade estava aumentando com a tecnologia – transmissões de rádio em restaurantes, por exemplo, incomodavam-no especialmente. Pode-?-se imaginar, então, como se sentiria hoje em relação a um mundo tão saturado de tecnologia como o nosso.

No poema, o contraste entre o locus amoenus, rural e bucólico, e a imensidão urbana de Nova York representa uma crítica à ansiedade na sociedade contemporânea?

Auden tinha uma visão muito complexa e interessante sobre as cidades. Embora soubesse que sua densidade e agitação poderiam aumentar a ansiedade e a solidão, ele também acreditava que elas davam às pessoas a oportunidade de conectar-se umas com as outras – algo que, em sociedades mais rurais ou tradicionais, nunca iria acontecer.

Ele adorava morar em Nova York e via seu tamanho e sua energia como, acima de tudo, algo bom. Para ele, as cidades podem ser intimidatórias, mas também mundos cheios de oportunidades. Após ter se tornado cristão, ele sempre lembrava que o fim da história, segundo a Bíblia, não significava o retorno ao Éden, mas a criação da Nova Jerusalém – isto é, uma cidade.

Em A Era da Ansiedade, os personagens vivenciam paisagens rurais, mas, no final, têm de retornar à cidade para criar seus próprios caminhos lá.

Ele está relendo Nietzsche quando o senhor diz que “nosso mundo cultural está notavelmente dominado por Apolo” – e, em contraste, não por Dioniso?

Sim, ele está relendo e reescrevendo Nietzsche: ele queria sugerir que Dioniso não é a única oposição a Apolo; outra possível é Hermes, o deus das mensagens, da comunicação, da interpretação. Auden via os artistas e humanistas como a si mesmo, isto é, como oponentes naturais de uma sociedade altamente administrada por burocratas treinados em ciências sociais – estes, para ele,  os seguidores de Apolo.

 

São eles os “novos bárbaros”?

Pode-se dizer que são os seguidores de Apolo, pessoas que querem liderar a sociedade e com total falta de interesse por artes e humanidades. Auden olhava em torno e via essas pessoas administrando não apenas o governo, mas também as universidades norte-americanas – e isso de fato o preocupava muito. Ele ficaria feliz em deixar o governo para Apolo – mas não a educação!

Se Auden era “profundamente freudiano no início da carreira”, o que o levou a desenvolver uma forte resistência à psicanálise?

Essa é uma questão complexa, mas acho que a melhor maneira de resumi-la é dizer que Auden continuou a acreditar que Freud fez um bom trabalho ao “diagnosticar” os problemas da humanidade, mas não fez muito pelo entendimento de como esses problemas podiam ser “tratados”. Ele acreditava que muitas pessoas ficavam piores após longos tratamentos psicanalíticos.

Após haver se convertido ao cristianismo, sua opinião mudou bastante. Ele considerava que o cristianismo tinha uma compreensão muito maior que o freudismo sobre aquilo que faz as pessoas “florescerem”.

Por que, como o senhor diz na “Introdução”, A Era da Ansiedade é um livro “extraordinariamente famoso para um livro tão pouco lido, e extraordinariamente pouco lido para um livro tão famoso”?

Acho que ele se tornou famoso simplesmente por causa de seu título. As pessoas o ouviam e pensavam: “Sim, de fato vivemos na era da ansiedade”. Mas o poema é muito difícil, com uma estrutura semialegórica e uma série de conceitos altamente abstratos. Não são muitos os leitores que chegam ao fim! Ao escrever a “Introdução”, minha esperança era tornar mais fácil para as pessoas chegar ao final.

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