Eu era dois

Eu era dois
50 anos antes…

Eu era dois

O poeta fundiu em sua sensibilidade o conflito entre campo e metrópole

Leonardo Fróes

Se a busco na memória, já descrente de poder alcançá-la, meio século depois, constato que minha juventude são duas.

A primeira, vivida em grandes metrópoles, tem por signo o fogo. Quem a representa, cheio de ambições e obstáculos, é um migrante rebelde de temperamento explosivo. Parece em franca dissonância com a sociedade que o cerca e, a seu ver, o oprime. Mal ele sabe, enquanto rola pelo mundo e procura, ávido, saber um pouco de tudo, as razões de sua angústia. O vulcão que traz no peito estaria enraizado nos seus sentimentos confusos?

Minha segunda juventude tem por signo a água. O jovem que a ela se associa, e que surgiu com a descoberta das cachoeiras e rios, deu um banho de alegria nas formulações do primeiro – aquele que se consumia e exaltava nas delícias do fogo.

Com isso, quero dizer que aos 30 anos, ainda audacioso, mas já cansado de muita confusão e tendo alguém ao meu lado, eu disse adeus às luzes da cidade e me embrenhei pela aventura no campo que continua até hoje, quando acabo de chegar aos 70.

Não fomos os únicos. Na época, era moda ir viver um grande amor no mato. Back to nature, deve ter dito o primeiro personagem da minha juventude que se duplicou renovando-me.

Para a grande maioria, a fuga da cidade para o campo não durou mais que um verão. Ou o amor ou a grana ou o tempo de curtição acabava e era preciso voltar para a cidade, onde cada um foi completar seu destino.

Eu, que podia viver de traduções e artigos – e que tinha um projeto a longo prazo –, fui ficando na terra.

O migrante rebelde que havia sido, obcecado pelo conhecimento literário e pela acumulação de cultura, tivera pouca visão das coisas práticas. Não sabia, por exemplo, pegar na enxada. Nunca tinha sabido desatolar um carro na estrada, sozinho na noite escura.

Já o segundo jovem, que passou a existir quando, com a livralhada, a papelada dos trabalhos, meia dúzia de gatos e uma porção de sementes, me instalei no sítio, desde então enfrentou todos os dias, para garantir sua sobrevivência modesta, uma infinidade de problemas assim.

Ou era a luz que pifava, e ele aprendeu a consertar. Ou a água que faltava, e ele subia morro acima para desentupir a mina. Ou algum destes flagelos do campo – seca, formigas, fogo, gafanhotos ou vacas – que vinha devorar as mudinhas das sementes que ele ia plantando.

Meu projeto a longo prazo era escrever meus poemas e, sem ter dinheiro para agir de outro modo, reflorestar eu mesmo, pouco a pouco, toda a área que estava então devastada. Os poemas agora estão por aí. A devastação tornou-se, tantas décadas depois, um pequeno paraíso de árvores monumentais.

O que mais fazia falta ao primeiro jovem que fui – um pouco, ao menos, de paciência – o segundo começou a aprender ao participar com todo o corpo do que acontecia ao redor: a germinação das sementes, a brotação das primeiras folhas, a frutificação de uma árvore, o lento e delicado amadurecer de um encontro. A simples sucessão de sol e chuva.

Como as flores se abrem, os fios dos sentimentos vulcânicos, numa vida recolhida, frequentemente se desembaraçam por dentro, e é grande o alívio.

Ter tido duas juventudes redobra- -me de gratidão pela vida. Opostos na aparência, meus parceiros no entanto se conciliaram em mim. Quer plante árvores, quer palavras, faço ainda hoje o que ambos me permitem fazer.

O primeiro, o do fogo na cidade, escreveu: “Ir se dando em despedida / como se a qualquer momento / fosse dar fim à vida”. O segundo, o da água no campo, disse: “Só as aves entendem / o que estou olhando ao longe / sem pensar mas sentindo / minha insignificância perfeita”.

Leonardo Fróes é poeta, tradutor e mora em Petrópolis (RJ) desde 1971. Antes, viveu no Rio, em Paris, Berlim e Nova York

50 anos depois…

Mixel e Flora

A escritora recria as experiências de dois jovens vivendo em 2061

Beatriz Bracher

koloko o tenis verde furad / sheet / ta frio
/ abro a porta / sheeps every lado / sheeps and
sheets / flora / onde VOSE TA?

To aki, Michel.

pk te AMO? choro sem vose /
LAGRIMAS KONJELA NO MEU
OLHOS ALBINO / frio entre o ddos / very
cold / dents batendo, klak, klak / merda
sheets / grass e kjas du tsnmy
kjas?

konjas du tsunami / o kapim koberto d
merda e konjas / pekena e lnda konjas du ultimo
tsunamy / a ovelhas kome kapim salgado
/ I bleed sheeps for my grandgrandfather
soup / sange de ovelhas / sopa de sange eh
so o ke ele pode komer / entende? do you
know who i am? nunca a parlato kon usted
ke jo it mit / I MEAT EAT MEAT / komo
karne salgada da ovehas filhas du tsunami /
vs tai? onde vs ta?

No metro. 7 da manha. Aki na amerika
do sul o sol eskenta a fumasa o inverno inteiro.
Kente. Vose kome karne?

yeh
Nao sei kem vose eh.
yeh / i dont know you too
Eu te amo.
tereze veio kom o pai toskiar a ovelhas
/ tranzei kom ela
Fabio foi buskar 1 alikate em kaza / tranzei
kom ele
foi bm?
Yeh. Foi bom?
yeh / vem pra ka flora / lgo / meu bizavo
ker morrer / meu bivo ker ke eu mate ele
Esta eskuro. Kero ver vose. Seu rosto.
Seu rosto. Liga a luz da kamera. A tanto tempo
eu kero ver seu rosto.
eh de noite 10 d noite na oseania / n kero
k vose vexa meu rsto albino / e tah eskuro
/ seu sem estrelas / gotas fria de agua no ar
dia e noite / meu bizavo ker k eu mate ele
– – –
– – –
Eu nunka vi vose, nunka vi.
sai do metro e vem pra ka
Um omem tranza kom uma mulher
agora no metro. Eles tira a roupa, o pau dele
eh grande. Estou molhada. Vose me ama,
Michel?
sim / before the sun raised / i fuck a sheep
pensdo em vs / pus o filme d vose rindo
na kostas dela / vs ondulava no karakois de
lan dela
A mulher gozou sem barulho, pos o
vestido, tirou um lenso da bolsa e limpou o
banko ke sujou um pouko de gosma branka.
Ele olha pra mim
vira pra eu ver. sai dai
– – –
q rua eh esa?
da eskola, vou ter k parar.
meu bizavo diz k eh fasil komo matar
ovelha / mas n eh fasil matar ovelha / eu falei
/ ele piskou o olho na letra M, piskou na letra
A, e a makina fez A B C D de novo e ele
piskou na letra T e na letra E / foi indo e ele
piskou de novo na letra M e de novo a makina
soletrou o alfabeto e ele piskou e piskou
e no final apareseu na tela e a makina falou
com voz de makina: MATE-ME AGORA,
É SEU DEVER E SUA SALVAÇÃO.
MATAR O MAIS VELHO É A SUA COTA
/ ele olhou pra mim enquanto a makina falava
/ ele nao piskou / olhou para mim com o
olhos branko e velho cheio de raiva
– – –
qto anos tem seu bizavo?
121
Ta doente?
?
ta velho a mto tmpo / ta velho
e seu avo
louko / kastrado no ospisio
pai mae?
fora desa ilha salgada e kada vez menor /
vapor frio o dia todo / eles foi fzer $ pra eles
pra mim e my ggrandftr / eu fikei p/ kuidar
da morte dele / eu fikei pra n deixar o greens
invadir a fazenda
vs tem xeiro de karne?
yeh / so saio d noit / eles pde saber pelo
xeiro / they will kill me / dpois ke meu bivo
morrer / enquanto eu tiver um omem velho
eles nao pode me tocar
kero te ver, kero ouvir tua voz.
vou eskrver ate o sol naser / ate vs chegar
/ ate vse cheirar kem eu sou

vs vai fikar ai?
yeh
me mostra teu rosto

t amo. mostra teu peito
vou no banheiro
o 2 / baixa / mais
– – –
para /para / + + + / go go
– – –
+ + + +
– – –
eu kro vse
tbem
– – –
michel, o ke vose vai fazer?
kero morrer toda noite kom vose
qtos anos vs tem de verdade?
de verdade 13 / e vs?
de verdade 12 / vem pra ka
n poso ir / minha pele albina
vem / a fumasa vai te proteger
vou matar meu bizavo e ir morrer kom
vose / na amerika do sul

(1) Comentário

  1. Excelente o texto da Beatriz e do Fróes. é quase uma brincadeira de bom gosto e com muita inteligência.

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