1968: a rebelião estudantil nos Estados Unidos
David Shapiro na cadeira do presidente da Universidade de Columbia, abril de 1968 (Reprodução)
Uma fotografia publicada na revista norte-americana Life Magazine na edição de 10 de maio de 1968 chocou muitos dos seus convencionais leitores. Um jovem de cabelos compridos e óculos escuros está sentado numa poltrona de couro em um escritório extravagente, fumando um charuto. No pano de fundo, seus companheiros fazem vigília na janela, assistindo a uma grande manifestação abaixo. Essa fotografia da famosa ocupação do escritório do Presidente da Universidade Columbia, em Nova York, capturou o espírito contestador entre estudantes naquele ano de rebelião.
A inspiração de 1968, representada mais brilhantemente pela geração de jovens militantes nas universidades foi sentida até meados da década de 1970, impulsionando uma contracultura radical da juventude, um combativo movimento operário de base e o movimento militante negro “Black Power”. 1968 inspirou também uma “segunda onda” de feminismo e um novo movimento pelos direitos de lésbicas e gays. Privilegiou a “ação direta” – ocupações, manifestações, sublevações e barricadas – sobre políticas tradicionais.
A rebelião estudantil de 1968 não surgiu de zero e não foi restrito somente àquele ano. As lutas militantes de estudantes nos Estados Unidos foram sintomas da colisão de forças sociais mais amplas.
O enorme crescimento econômico do período pós-guerra nos Estados Unidos criou as próprias forças que iriam contestar a estabilidade econômica e social. O governo patrocinou a expansão da educação superior para melhorar a produtividade do seu capitalismo nacional. A década de 1960 testemunhou um aumento expressivo de novas universidades e expansões de faculdades existentes para absorver o crescente número de jovens na sociedade, cada vez mais provenientes de camadas mais populares.
As universidades eram grandes, uniformes, e onde alunos se concentraram da mesma maneira que trabalhadores foram organizados nas fábricas. Estudantes só ficavam 4 ou 5 anos nas universidades, mas as condições por eles encontradas podiam criar um forte senso de comunidade e gerar ações coletivas. As tensões ideológicas na sociedade – exploração econômica, racismo e guerras – também contribuíram para essa comunidade de interesses sociais e políticos contra o tipo de universidade que os alunos da Universidade Berkeley da Califórnia criticariam em 1964 como “fábricas de conhecimento”.
Nova Esquerda e a SDS
O movimento estudantil surgiu nos primeiros anos da década de 1960 como parte da “Nova Esquerda” . Era uma variedade de movimentos sociais caracterizados pela juventude, por idéias anti-elitistas e mais ênfase na crítica da alienação e hipocrisia da sociedade norte-americana, ao invés da preocupação restrita com a luta de classes e a miséria econômica. A Nova Esquerda tendia a atuar entre estudantes e povos oprimidos como negros e vítimas do imperialismo norte-americano, construindo movimentos contra a guerra do Vietnã, pelos direitos estudantis nas universidades e por mais liberdade individual na vida quotidiana. Enfatizaram a democracia participativa, a espontaneidade e o ativismo criativo, tendências táticas e estratégicas que caracterizavam movimentos sociais no mundo inteiro na época.
O grupo mais importante dessa nova tendência opositora era o “Estudantes para uma Sociedade Democrática” (SDS), uma organização nacional de estudantes fundada em 1962. Muitos de seus membros foram fortemente inspirados pelos movimentos negros e começaram a organizar a solidariedade pela luta por direitos civis e o trabalho voluntário para o desenvolvimento econômico em comunidades pobres e, na segunda metade da década, impulsionaram o movimento contra a guerra do Vietnã. A SDS chegou a ter seções em milhares de faculdades com dezenas de milhares de afiliados.
A primeira grande mobilização do movimento estudantil nos Estados Unidos aconteceu na Universidade da Califórnia em Berkeley em 1964-1965 sobre o direito dos estudantes de organizar atividades políticas no campus, já que, nos anos 1950, os administradores dessa renomada universidade pública haviam banido tais atividades.
No outono de 1964, estudantes abertamente organizaram atos no campus em solidariedade ao movimento negro para desafiar as proibições. O aluno Jack Weinberg foi preso pela polícia e uma manifestação espontânea de 3 mil estudantes cercou o carro da polícia, proibindo-o de partir por 32 horas. Por dois meses, estudantes continuaram organizando grandes atos e manifestações sob a bandeira do “Movimento pela Livre Expressão”. Em dezembro, alunos ocuparam o principal prédio da administração da universidade. A polícia entrou e mais de 700 alunos foram presos.
Em janeiro, a universidade suspendeu os líderes da ocupação, provocando uma greve estudantil e manifestações amplas que efetivamente fecharam a universidade. Logo depois, a administração da universidade cedeu e atividades políticas foram permitidas no campus.
O Movimento pela Livre Expressão obteve uma vitória importante, inspirando a organização estudantil no país inteiro. Com a aceleração da guerra no Vietnã, a SDS e outras organizações montaram campanhas nacionais contra a guerra e contra o serviço militar obrigatório.
Até 1968, manifestações, motins e ocupações foram comuns em faculdades por todo o país. Em janeiro, a polícia atacou 400 estudantes que protestavam em uma reunião do Secretário do Estado, Dean Rusk. No dia 8 de fevereiro, 3 estudantes foram mortos pela polícia em uma manifestação por direitos civis na Carolina do Sul. Na primeira semana de março, alunos da Universidade de Nova York protestaram contra a empresa Dow Chemical, a fabricante principal de armas biológicas usadas pelos Estados Unidos no Vietnã. Em pequenas e grandes universidades, nas cidades grandes e no interior, a SDS e outras organizações estudantis influenciadas pelas idéias socialistas organizaram campanhas contra a guerra do Vietnã e pelos direitos civis.
Ao longo de 1968, aconteceram importantes mobilizações, como a da Universidade Columbia, que lutaram tanto por questões internacionais, como a da guerra do Vietnã, como por reivindicações locais. Além do protesto contra o envolvimento da universidade com pesquisas militares usadas na guerra da Vietnã, os estudantes também reivindicaram o fim dos planos para construir um prédio no campus em terras expropriadas do bairro pobre negro do Harlem.
Depois de 68
Embora o ano 1968 seja o mais lembrado, as maiores mobilizações estudantis aconteceram entre 1969 e 1971. Uma pesquisa feita em 1969 em mais de 232 universidades mostrou que pelo menos 215 mil alunos participaram de protestos contra a guerra, que 3.652 foram presos e mil foram suspensos ou expulsos da universidade por envolvimento em atividades políticas. Somente no ano escolar de 1969-1970, o FBI listou mais de 1.785 manifestações estudantis, inclusive 313 ocupações.
Várias grandes manifestações nacionais em Washington e dias nacionais de ação entre 1967-1971 galvanizaram a oposição à guerra, quebrando o consenso político nacional e enfraquecendo a resolução dos governos de continuar o conflito. Depois do assassinato de quatro alunos na Universidade Kent State pela Guarda Nacional em maio de 1970, greves, ocupações e manifestações se espalharam pelo país.
Inspirados pelo movimento estudantil, artistas, políticos locais, sindicalistas, jornalistas, esportistas e até negociantes logo se posicionaram contra a guerra por razões morais, políticas ou por causa da instabilidade social causada pelas mobilizações. Em meados do 1971, 61% da população norte-americana se opôs à guerra.
A rebelião estudantil dos anos 1960-1970 não conseguiu vitórias em todas as batalhas: nem todas as reivindicações locais foram ganhas e a repressão das autoridades e da polícia foi pesada. O movimento estudantil também não conseguiu plenamente generalizar as lutas e fazer ligações duráveis com os outros movimentos, especialmente com o poderoso movimento operário.
Em contrapartida, a liberdade política e intelectual nos campi universitários do século 20, o movimento anti-guerra que conseguiu retirar os Estados Unidos da guerra no Vietnã e os protestos de muitos outros setores dos oprimidos no país são decorrentes da inspiração dos estudantes que ousavam se rebelar contra o establishment. O movimento estudantil das décadas de 1960 e 1970 representa até os dias de hoje um exemplo inspirador de que as pessoas podem superar as velhas atitudes e idéias e lutar para fazer um mundo melhor.
Sean Purdy é professor do departamento de História da USP