A vulva sem pudor nem mistério
Gravura de 1818 baseada em retrato de Saartjie Baartman feito por Jean-Baptiste Berré (Imagem: Wellcome Collection)
No princípio era a vulva, e não o Verbo. Apenas muito depois surgiram os nomes, as representações e as explicações sobre ela. Com a fé judaico-cristã e a ciência moderna, vieram também as teorias, os tabus e os enquadramentos elaborados para resguardar esse domínio tão precioso, ao mesmo tempo temido, cultuado e disputado pelo incontinente desejo masculino. Sob o véu do obsceno e a mordaça do indizível, a vulva, no entanto, faz rir e assoma como um lócus pulsante de resistência, deleite e alegria.
Antes de lidar com a pergunta que dá nome a este dossiê, “Onde está a vulva?”, talvez seja prudente esclarecer o que a vulva é. Segundo os dicionários, ela é definida como a parte exterior dos órgãos genitais da mulher e das fêmeas dos mamíferos. É composta pelo monte pubiano, pelos lábios maiores, pelos lábios menores, pelo clitóris, pelas glândulas de Bartholin e pela abertura da vagina.
Porém, por motivos que Freud não explica, a vulva é usualmente referida como sinônimo de vagina, sendo não raro subsumida por ela como “o” órgão feminino por excelência, ou seja, como aquela parte externa da anatomia das mulheres que as distinguem enquanto tal. Ainda que Anne Fausto-Sterling tenha chamado atenção para as cinco camadas requeridas para se definir biologicamente alguém como “homem” ou “mulher” (se for mesmo necessário definir as pessoas assim), a vagina, quase sempre confundida com a vulva, é comumente associada ao marcador “natural” daquele que já foi chamado por Simone de Beauvoir de O segundo sexo.
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