Viajar é ler
Micheliny Verunschk, invertendo o lugar-comum, diz certeiramente no prefácio ao livro Um dia Toparei Comigo de Paula Fábrio (FOZ, 2015, 155p.) que “viajar é ler”. Com razão, ela aponta para a alteridade enfrentada, a alteridade auto-constitutiva, aquela que, ao perdermos, nos faz inexistir.
Mas Paula Fábrio nos dá uma nova chance. No viajar-ler, no ler-viajar, ela nos leva junto em sua aventura, meio sonho, meio fuga, meio busca, meio festa. Outros lugares, outros livros e seguimos, seguros. Confiando na narradora, vemos por meio de seu olhar irônico, hiper-atento. Bem guiados que estamos por uma prosa encantadora, de mestre, como dizem, podemos ter certeza de que chegaremos em algum lugar. Um lugar incomum. Um lugar no campo do comum, um lugar da diferença.
Um dia Toparei Comigo, não nos pede nada em troca. Alteridade generosa, a aventura sugerida é calma. Surfar sem esforço algum nas ondas reflexivas, descritivas e ativas da literatura, de repente, é algo que nos aconteceu. Mas não nos enganemos com tanta delicadeza, com esse tratamento tão ético com a inteligência do leitor em tempos de produção social da ignorância. A ironia do livro, tão suave, tão tranquila, seria ácido nas pálpebras de chumbo do leitor morto de nossa época. Quem ainda está vivo tem que ler Um dia Toparei Comigo sem deslumbramento, por puro respeito ao que ainda está vivo.
Mas não é fácil ler sem esse pasmo que nos dá a atenção às coisas cheias de sentido. O livro é pleno de uma coisa tão antiga e maltratada como é o sentido. O sentido de uma aventura. Do tormento da morte por eutanásia, pela qual a narradora se sente culpada, à morte necessária de seu Ramirez, é o tempo da vida – e do conviver que é a vida junto à vida – o que está em jogo. A aventura é, portanto, aquela da vida, a que perdemos de vista todos os dias atrás de olhos fechados por indústrias, mercados, espetáculos, excitações. Um dia toparei comigo, nos diz sobre esse outro com quem estamos, esse outro que somos. Esse outro que as condições micro-eletrônicas, hiperconectadas, virtualizadas, nos fazem esquecer. Esse outro que é odiável e inevitável. E lindo e maravilhoso em sua diferença radical. Esse outro pelo qual nos apaixonamos e, na impotência para o amor, somos capazes de odiar.
Seguimos, leitores, na direção da narradora, seus tormentos, tantas vezes nossos – tão parecidos com nossos afetos – e somos contemplados com uma espécie outra de esperança. Àquela que algo como a literatura no permite ter. Um dia Toparei Comigo nos coloca bem próximos do impossível: a realidade.
Quem suportará o sopro vertiginoso que emana de sua presença?