A utopia do deslocamento de Suçuarana
Créditos: Divulgação
Suçuarana é o nome que se dá no Brasil à onça parda, ou puma, um tipo de felino predador presente por toda a América, que mantém o hábito de caçar sozinho ao entardecer. No entanto, Suçuarana é também o nome da história de Dora no longa-metragem de Clarissa Campolina e Sérgio Borges, que — após receber cinco dos maiores prêmios do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro de 2024, incluindo o de melhor atriz para Sinara Teles e melhor fotografia — estreia nas salas do circuito comercial nesta quinta-feira, dia 11.
Na esteira de filmes como O último azul, de Gabriel Mascaro, que se destacou ao levar o Urso de Prata no Festival de Berlim, e Iracema, de Jorge Bodanzky, que voltou a circular em cópia restaurada em 4k recentemente, Suçuarana consagra a volta dos road movies ao cinema brasileiro como estratégia narrativa. Na trama, acompanhamos o deslocamento de Dora, uma personagem que percorre veredas em busca da mítica Serra da Suçuarana, local em que sua mãe teria morado tempos atrás. Desenraizada, ela recusa papéis impostos e conta com a ajuda e a gentileza de estranhos para sobreviver em uma paisagem marcada pela devastação da mineração.
Em entrevista à Cult, Campolina diz acreditar na capacidade dessa estrutura narrativa de exercitar a alteridade em tempos em que “o mundo anda tão rápido, mas somos colocados sempre no mesmo lugar”. Em Suçuarana, o desejo de mudança é correspondido por um deslocamento geográfico no qual Dora “encontra a possibilidade de sair de um lugar que já não é mais físico”, reflete. Já Borges lembra que a ideia de deslocamento estava presente desde o início do projeto, como uma forma de “utopia do movimento” perseguida pelo filme, ao que Campolina completa: “se perdermos essa utopia, creio que será difícil viver”.
O filme é dividido em duas partes. Na primeira, “as pessoas se acotovelam para sobreviver”, descreve a diretora, “mas ainda há gestos que, no fundo, anunciam que uma outra vida é possível”. Isso prepara para a segunda parte, quando Dora finalmente encontra uma comunidade. A essa divisão narrativa, soma-se também uma divisão estética: a primeira parte do filme é gravada utilizando tecnologias de vídeo digital; a segunda é gravada inteiramente em película, o que, segundo Borges, corresponde ao desejo de incorporar ao filme elementos do realismo fantástico, tanto na trama como na textura da imagem, o que implicou em desafios técnicos para a filmagem: “no primeiro momento em que Clarissa propôs a ideia de filmar em 16mm, fiquei um pouco receoso, pois torna o projeto mais caro e reduz a quantidade de takes para cada cena. Tínhamos que fazer tudo quase que ‘em um tiro único’, o que exige mais concentração. Acho que isso aumenta a chance da magia do cinema acontecer.”
Campolina conta ainda que a direção do filme, assinada em conjunto, partiu de um questionamento perene ao chamado “cinema de autor”, sistema já problematizado por cineastas como Jean Luc-Godard e Chris Marker, que, na frança dos anos 1960, passaram a produzir filmes assinados por coletivos de autores, como o Groupe Dziga Vertov e o collectif SLON – ISKRA, respectivamente. Essa perspectiva parte da percepção de que o cinema é fruto de proposições, vontades e interlocuções que não podem surgir individualmente.
A vontade de propor experimentações formais e estéticas, no entanto, produziu, para Campolina e Borges, a necessidade de buscar financiamento para o filme, que contou com o apoio da Ancine e do Fundo Setorial do Audiovisual. A diretora reafirma a necessidade de políticas públicas para o setor que apoiem a produção de obras variadas e lembra que “desde o primeiro governo Lula isso foi sendo estabelecido. Depois tivemos um retrocesso enorme com os governos de Temer e Bolsonaro. Após termos ganhado o edital, nós ficamos três ou quatro anos com o dinheiro retido para fazer o filme. Não conseguimos produzir diante dessa insegurança tão grande que foi imposta ao cinema, e principalmente ao cinema experimental, no qual acreditamos. Existe uma diferença entre um cinema feito para ganhar dinheiro e outro feito como uma pesquisa de linguagem. Acho que todos devem existir”.






(1) Comentário
Excelentes ideias para filmes mais engajados socialmente!!! Parabéns!