Uma perspectiva convergente

Uma perspectiva convergente

A participação da comunidade como um todo é fundamental na busca de soluções para a segurança pública sem ferir os direitos humanos

Para Max Weber, poder “significa la probabilidad de imponer la propia voluntad, dentro de una relación social, aun contra toda resistencia y cualquiera que sea el fundamento de esa probabilidad”. A concepção de poder de Max Weber difere da concepção de Hannah Arendt, para qual o poder é gerado pela ação conjunta de homens e mulheres, a qual possibilita, mediante a comunicação livre de violência, a revelação de cada indivíduo em sua específica singularidade e não o mero resultado da “imposição da vontade” de uma determinada pessoa em relação a um grupo como um todo. Nessa perspectiva, é dessa forma que Arendt define poder: “O poder corresponde à habilidade humana não apenas para agir, mas para agir em concerto. O poder nunca é propriedade de um indivíduo; pertence a um grupo e permanece em existência apenas à medida que o grupo conserva-se unido”.

Nesse artigo, trabalhamos com duas definições de poder, uma “weberiana” e outra “arendtiana”. Essas duas diversas concepções resultam em duas diferentes visões de ordem pública. Para Weber, ordem pública é aquela que possibilita a “imposição da vontade” e, para Arendt, a que torna possível “a liberdade de falar um com o outro” e construir, por meio desse espaço público de diálogo, o agir conjunto.

A opção teórica por uma ou outra definição de poder será determinante para a abordagem da segurança pública. De forma sintética, podemos afirmar que existem dois modelos principais de segurança pública: o modelo tradicional-repressivo e a nova prevenção(1). O modelo tradicional repressivo faz uso da concepção weberiana de poder; já o modelo da nova prevenção usa a concepção arendtiana.

Para o modelo tradicional repressivo, que tem como fundamento a imposição de uma determinada vontade, o Direito Penal, como forma regulatória do ato de punir, exerce um papel central e preponderante. Uma vez perturbada a ordem pública, é essencial fazer valer a vontade da autoridade da ordem violada e fazer a situação voltar ao que era antes. Já para o modelo da nova prevenção, o Direito Penal tem seu espaço circunscrito ao exercício da punição. Isso significa que a punição ocorre, mas não é a única ação para o “restabelecimento da ordem” devendo ser complementada por diversas ações nas áreas de: educação, cultura, esportes lazer, redesenho do espaço urbano, e regulação econômica. A rigor, nesse caso, não se deve utilizar a expressão “restabelecimento da ordem”, pois o que se pretende não é o retorno a um estado anterior, mas a manutenção da própria ordem.

Aqui é necessário ter claro de qual ordem estamos falando. A ordem que se visa manter tem, por sugestão de Mireille Delmas-Marty, como imagem possível: o coletivo de nuvens. As nuvens mudam constantemente e permanecem compondo um todo integrado. A manutenção da ordem significa, nesse caso específico, garantir o espaço do diálogo e da interação de todos e todas que nele estejam envolvidos.

A perspectiva do respeito aos direitos humanos é o fundamento para a concretização das políticas da nova prevenção. Esse respeito significa não-violação dos direitos humanos de todos os agentes envolvidos na segurança pública. Explicitando melhor: policiais civis, policiais militares, delegados de polícia, juízes, advogados, promotores. E por fim: os próprios criminosos. O respeito aos direitos humanos dos criminosos é parte integrante do sistema da nova prevenção. Evidentemente, e dizemos isso de forma enfática, devem ser punidos, mas tal punição há de respeitar os limites impostos pela lei e durante e após o período da punição devem ser criadas oportunidades para a geração de uma nova pessoa. A punição que se exaure em si própria não é um instrumento da convivência humana.

Os direitos humanos devem ser respeitados para que os mais diversos tipos de pessoas não sejam objeto da violência. Essa concepção protetiva dos efeitos nocivos da violência é tão radical no âmbito dos direitos humanos que o princípio que orienta a criação de suas normas é o princípio da não-violência.

Em síntese, o único modo de tratar o tema da se-gu-rança pública respeitando os direitos humanos da popu-lação como um todo é buscar uma solução que envolva a participação da comunidade de forma holística. Uma solução como tal só pode ser construída no espaço da troca de experiências, opiniões e perspectivas existenciais.Tal espaço é por excelência um local onde não habita a violência.

NOTA

1 Para um estudo mais aprofundado dos dois modelos de segurança pública veja: DIAS NETO, Theodomiro. Segurança Urbana: O modelo da nova prevenção. São Paulo: Revista dos Tribunais e Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, 2005. Especificamente o capítulo 3.

BIBLIOGRAFIA

ARENDT, Hannah. Sobre a Violência. Trad. André Duarte. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1969 (1994)

WEBER, Max. Economia y Sociedad. volume 1. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica |1922 (1964)|

Guilherme Assis de Almeida
é doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), pós-doutorado em Ciência Política pelo NEV/USP e coordenador da Unidade de Direitos Humanos e Cidadania do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Brasil

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