Uma nova gramática da parentalidade

Uma nova gramática da parentalidade
Escultura indiana do século 6 representando deusa-mãe com seu filho (The Cleveland Museum of Art
  “Sempre achei que iria ser enterrada junto com os sobrenomes da minha família. Carregava com certo orgulho o plano de ser responsável pelo fim da minha linhagem. Esse desejo se solidificou quando comecei o tratamento hormonal: a possibilidade da infertilidade era mais um item na lista infinita de vantagens que o estradiol me oferecia. Não queria ser mãe”, conta Aurora Goes. Ela tem 29 anos, cursou letras na USP e hoje é gerente de redes em um jornal independente. “O dia em que disse que iria começar a tomar hormônios foi o dia em que fui expulsa de casa. Faz oito anos que não vejo meus pais, e não acho que os verei novamente. Faz oito anos que, enfim, posso ser feliz”, relata ela. Foi após entrar em seu relacionamento mais recente que, trocando fotos de infância com a parceira, encarando as crianças fotografadas, imaginou a síntese das duas: “Pela primeira vez na vida, passo a mão em meu ventre, suspiro e imagino: ‘E se?’ ”. O desejo inspira curiosidade, e Aurora passa dias e noites lendo sobre suas possibilidades: publicações descrevem procedimentos de fertilização in vitro, histórias sobre a volta da fertilidade em mulheres trans ao pararem com hormônios exógenos e avanços cirúrgicos em transplantes de útero. Mas as dificuldades do processo se sobressaem: “Leio sobre as desistências, sobre meses, às vezes anos, de disforias acentuadas em busca da espermatogênese, sobre abortos espontâneos após tentativas caríssimas de fecundação assistida, sobre a falta de estudos e a falta de respeito da comunidade médi

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