Uma abundante experiência de prazer
O que há de específico na escrita de Cidinha é uma inspiração para o que se chama literatura universal (Arte Andreia Freire)
“Como é que está errado se você entende? Se milhões de pessoas entendem e usam? Você não aceita a inventividade linguística do povo, isso é que é.” Um pequeno trecho, ainda que deslocado, pode ser revelador de uma obra. Este fragmento do diálogo que Cidinha da Silva constrói na crônica “Absurdada” sintetiza um dos fios narrativos de O homem azul do deserto, lançamento da Editora Malê. E ouso afirmar que condensa muito da voz narrativa da autora, presente em seus onze livros anteriores. A linguagem de Cidinha, que nos embala com fluidez, parece dança, mas é luta. A escrita de uma boa angoleira que, gingando com graça, tira o ar de quem se deixa levar. A investida não vem de onde se espera. Mas questiona a língua, o cânone, o branco, o macho, o hétero: a norma.
Quando li Cidinha pela primeira vez, fiquei intrigada com aquelas palavras que brincavam com o não dito. Era como se o escrito emoldurasse o silêncio, e por isso mesmo permitisse acessar o oculto. E não estou falando sobre laconismo – as palavras são muitas –, mas sobre uma forma específica de narrar. Era como ouvir as histórias de minha avó Polu ou de minha tia Guida. Senti o mesmo ao entrevistar Eliane Dias para a edição 212 da CULT, há pouco mais de dois anos. Eu tentava explicar para o editor, pedindo ajuda para compreender as características próprias daquele modo de dizer. Até que tive acesso à classificação proposta por Eduardo Oliveira, professor da Universidade Federal da Bahia, no posfácio de Sobre-viventes: “ Faz literatura banta, universalizáv
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