A UERJ compõe paisagens vitais
Ato em defesa da educação, ocorrido em fevereiro em frente à Alerj, Rio de Janeiro (Foto: Reprodução da página do Facebook da UerjResiste)
Davi Pessoa, professor de literatura da UERJ, fala sobre a situação precária pela qual passa a Universidade Estadual do Rio de Janeiro e suas formas de re-existência
Em 1965, a escritora italiana Elsa Morante realiza a conferência “Pró ou contra a bomba atômica”, em Turim, na qual diz: “O sistema da desintegração, logicamente, tem seus funcionários, secretários, parasitas, cortesãos etc. E todos eles, com seu (mal-entendido) interesse, ou porque enganados (digamos assim) pela boa fé, por seu erro, tentarão enfraquecer as resistências do escritor através de inúmeros meios. Irão procurar, por exemplo, cativá-lo ou incluí-lo no sistema através da corrupção, da escandalosa popularidade, dos sucessos ordinários, promovendo-o a divindade ou a playboy. Ou, ao contrário, sua diferença será utilizada pelo sistema como uma traição, ou uma culpa, ou uma imoralidade, ou um moralismo, ou uma insuficiência.”
O historiador Carlo Ginzburg, por sua vez, no livro Medo, reverência, terror (2008), argumenta: “Vivemos num mundo em que os Estados ameaçam com o terror, exercitam-no e às vezes o sofrem. É o mundo de quem procura se apoderar das armas, veneráveis e potentes (…), um mundo no qual gigantescos Leviatãs se debatem convulsamente ou ficam de tocaia, esperando”.
A partir dessas reflexões podemos pensar a situação atual da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e do Estado do Rio de Janeiro. Nos últimos meses, temos acompanhado os descasos do governo em relação à educação pública: todos os dias os noticiários impressos e televisivos divulgam a precariedade pela qual passa a UERJ, que sofre toda a violência posta em prática pelos parasitas do sistema da desintegração. Não há repasses para o funcionamento efetivo da instituição, os mais de 30 mil alunos tendo seus sonhos obliterados, professores sem salários – visto que salários parcelados, e em atraso, são não-salários –, funcionários despejados de suas casas por falta de pagamento dos aluguéis, verbas para pesquisas cortadas, laboratórios de pesquisas fechando as portas por falta de manutenção, ou seja, a lógica do terror e do medo se alastrando pelos corredores e pelas salas de aula da UERJ. Como poderá sobreviver a Universidade diante de tantos ataques daqueles que se encontram na tocaia de seus discursos cínicos e por trás das grades (da Alerj, a Casa do Povo!) e de todo o aparato policial que os protege?
Há nesse percurso, no entanto, sempre a possibilidade de abrir fendas de vida. Nos últimos meses professores e alunos da UERJ têm mostrado à sociedade que toda resistência traz em si uma re-existência: temos realizado eventos para discutir temas específicos de nossos campos de conhecimento, com a presença de intelectuais que incorporaram a luta pela educação pública. Seja nos menores eventos, ou nos maiores, como no caso da ABRALIC – principal evento de literatura do país, que será realizado mais uma vez na UERJ neste ano – a lógica é justamente aquela de transformar os efeitos da crise em criação e integração. Assim como as Assembleias e manifestações de professores pelas ruas da cidade, realizadas todas as semanas, têm colocado em prática uma série de ações que possam confrontar o sistema da desintegração e o discurso vazio daquele que deveria ser um dos guardiões da UERJ: o governador Pezão.
O estado de exceção colocado em ação como regra pelo governo do Estado do Rio de Janeiro o transformou, há tempos, num instrumento extraordinário de função de polícia: temos sofrido em nossos corpos a perversão das políticas neoliberais que se expandem por toda a cidade, e, assim, a UERJ, por isso mesmo, se torna um forte inimigo a ser vencido, como espaço público atravessado por singularidades que rompem a lógica da desintegração, visto que nosso objetivo é “destruir a destruição”, sempre a favor da vida, dos encontros e das experiências vitais compartilhadas por todos aqueles que compreendem a UERJ como espaço de vida na cidade do Rio de Janeiro e em todo o país.
Portanto, não nos tornaremos paradigma de desintegração pelo terror e pelo medo que querem nos impor. Nossas ações têm visado fazer um corte na paisagem cinzenta na qual querem nos enquadrar. Éric Dardel, geógrafo francês, autor de L´Homme et la Terre (1990), diz que “a paisagem não é, na sua essência, feita para ser olhada, mas sim inserção do homem no mundo, lugar de luta pela vida, manifestação do seu ser com os outros”. Assim, nossa inserção na paisagem se coloca em movimento contra toda moldura fixa, e a UERJ, em sua re-existência, compõe paisagens vitais que aos olhos dos governantes parecem monstros. O terror não nos pertence, mas, sim, é parte integrante de todo sistema que se propõe à desintegração. Não ficaremos na tocaia: pela vida e pela alegria de todos que desejam a vida da UERJ.
Davi Pessoa é doutor em Teoria Literária pela UFSC e professor adjunto de língua e literatura italiana na UERJ.
(1) Comentário
Belo texto.