Privado: TRANSmudada

Privado: TRANSmudada
Sam Matos e Renata Silva O despertador fora acertado para aquele mesmo horário. Mas ele acordou antes. Logo sentiu um não sei o quê. Um arrepio? Sim, um arrepio. Mais um dia, e lembrou-­se do que havia sido deixado para trás. Seu corpo todo eriçou-­se em pelos arredios – sem mais nem menos. Coisa estranha. Talvez a recordação da madrugada anterior – transbordante, transcendente, transeunte – fosse a causa desse estranhamento. A lembrança da noite e das damas que viu transitarem por ela – transmudadas, transversais, translumbrantes. O arrepio incomoda, convida à nostalgia e remete ao verão de Manaus, de Fortaleza. De repente, ocorreu-­lhe o espelho. E se perguntou se a imagem cotidiana, a sua, refletida todos os dias, estaria transvertida. (O reflexo prateado é o privilégio que a transparência oferece.) Inversão, subversão – nova harmonia para uma melodia antiga. Os sentidos ainda eram assim – desentendidos como se fora este o primeiro dia. Seria febre? Se sim, decididamente desconhecida. As lembranças do que fora até aquele dia dançavam em seus pensamentos, num balé frenético. Descalço, levantou­-se e ousou mirar-­se. A luz do dia começou a entrar pelas frestas da janela, ainda muito tímida. Nenhum perfume. Como? Se ele também quis ser dama da noite, ao menos por um dia! Refletiu­-se. Estranhou o tom da pele. Para o rosto desconhecido que viu à sua frente não disse palavra. Por descuido ou preguiça não lavou o rosto e se surpreendeu outro, transfigurado. Mais doce, mais curvilíneo. De repente começou a chover. Água tran

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